terça-feira, 23 de setembro de 2025

A Baleia – Teatro Unip

    Um oceano de dor. O retrato de um naufrágio. O sufocamento de Charlie, um homem que, ancorado em seu sofá pela culpa e pelo luto, busca um último e desesperado ato de redenção: a reconexão com a filha.

    A peça, originada da escrita visceral do dramaturgo americano Samuel D. Hunter, é um mergulho. Hunter, que partiu de experiências pessoais com o isolamento e a homofobia; ele não escreveu uma peça sobre obesidade, mas sobre a busca por honestidade, sobre a beleza que pode ser encontrada nos lugares mais inesperados e, principalmente, sobre a última chance de um homem se fazer entender antes que o mar o engula por completo.

    Preso a um corpo de quase 300 quilos, José de Abreu nos entrega uma grande atuação. Sua energia cênica não está no movimento, mas na imobilidade gritante; nos olhos, na respiração ofegante, na voz que tenta ensinar a verdade a seus alunos enquanto esconde a sua própria. A performance que transcende a maquiagem e o enchimento; o que vemos ali é a dor de Charlie, viva, pulsando em cada palavra, que nos ferem a alma.

    Sua filha Ellie (Gabriela Freire) é o contraponto brutal à imobilidade do pai. Sua raiva é um espinho, um desprezo que esconde uma imensa vulnerabilidade, despertando emoções pesadas na plateia. O embate entre os dois é o coração pulsante da peça. Mas o mini universo de Charlie não se resume a esse duelo: há o cuidado sufocante de sua amiga enfermeira (Luisa Thiré), a fé ingênua do jovem missionário (Eduardo Speroni) que busca uma alma para salvar e o passado mal resolvido com sua ex-mulher (Alice Borges). Espelhos que refletem as múltiplas facetas da vida de Charlie.

   
    A direção de Gabriel Fontes Paiva é sensível, mapeando a alma de Charlie com um cuidado que transforma o palco em um microcosmo de emoções. A montagem nos aprisiona junto ao protagonista, e essa imersão é um de seus maiores trunfos. O cenário de Bia Junqueira não é apenas um apartamento; é um personagem, um cárcere que testemunha a desintegração e a busca por graça. Cada elemento técnico, da iluminação de Maneco Quinderé, que esculpe a solidão, à trilha sonora de Federico Puppi, que se mistura silêncio, contribui para a construção de uma atmosfera muito densa.  


    Por fim, em um último suspiro, o leviatã se ergue. Aquele corpo, que era prisão, se torna, por um instante, um monumento à força do espírito humano. Um momento sublime. A cortina cai, mas a imagem permanece por muito tempo em quem mergulhou no espetáculo.


  Todos os corpos humanos sempre guardam uma alma disposta a voar.


    Fotos: divulgação

    Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)

Um comentário:

  1. Infelizmente não assisti a peça. Mas pela crítica do Rodrigo, muito bem escrita, pode-se perceber uma grande atuação José de Abreu numa peça com um tema difícil e atual.

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