Texto publicado em 14/05/2021 no blog PasseArte (clique aqui para ler)
Em tempos pandêmicos e sombrios, estamos diante de telas, assistindo peças, sendo peças. Tempo de seres humanos robotizados e máquinas humanizadas, aqui estamos, tentando salvar o mundo através da Arte. Uma proposta ousada e desafiadora. É possível?
Concebido originalmente para o teatro tradicional, presencial, o espetáculo se reinventou para as telas, ampliando a interatividade, pela facilidade das plataformas virtuais e a possibilidade de alcance nacional, um grande ponto de encontro de Brasis, diverso, global.
Uma peça sem atores, feita pelo público e para o público, movida pela plateia, conduzida por um mestre de cerimônia bastante curioso, que faz milhões de combinações e operações por segundo para entender como nos ajudar, mas que se pudesse seria humano para experimentar nossas sensações nesta noite de conexão tão mágica e ter o privilégio de acessar momentos e emoções vividos.
Em meio a esperança e desesperança, amor e ódio, avanços e retrocessos, afeto e solidão, coragem e medo, alegria e dor, a máquina nos une e nos ouve, preparando o caminho para essa viagem empática e coletiva, mesmo que algumas vezes ela tenha bastante dificuldade, como por exemplo, quando precisa processar nossos conflitos ou decifrar os códigos de poesia. Nem as máquinas são perfeitas.
O espetáculo é uma grata surpresa, participamos de uma noite amorosa, acolhedora, com desconhecidos especiais, o que mostra a necessidade de se relacionar, mesmo que a distância, bem como a necessidade de algumas vezes se jogar no abismo, como a companhia Satyros e o ator Thiago Mendonça fizeram, mergulhando neste experimento que transcende o virtual.
Sim, é possível, mesmo que não seja.
Ficha Técnica: clique aqui
Ingressos gratuitos ou colaborativos: Sympla
Em cartaz até o dia 17/05/2021
Fotos: divulgação
Sobre o grupo: Satyros
Instagram: ossatyros
Muita coisa se amplia no meio pandemia
A dor
O luto
A luta
A desilusão
A desigualdade
A falta de oportunidade
O preconceito
Tudo já estava aqui, mas algo invisível serviu como uma lupa
Tudo já estava aqui e continua sendo invisível para os que não querem enxergar
Rodrigo Ferret - 03/07/2020
Foi a segunda vez que estive diante dela, a primeira no ensaio aberto, em novembro de 2019, no Teatro Brasília Shopping. Foi um ensaio muito interessante, que deu mostras da potência que seria o espetáculo do premiado ator, diretor e dramaturgo Eduardo Wotzik (saiba mais).
A obra estava prestes a estrear em 2020, mas no meio do caminho tinha uma pandemia e a Arte precisava se reinventar. E aqui estamos, em 2021, vendo nossa musa na tela de um computador, com a esperança de poder revê-la novamente em breve em um palco.
Com seu humor peculiar, Hannah chama atenção deste mundo cínico contando algumas histórias que a primeira vista parecem simples, mas são profundas, sobre este mesmo mundo de pessoas de pequenas éticas e etiquetas, onde homens simples e comuns são capazes de cometer as maiores barbáries.
Como é bom poder ouvi-la, nos fazendo refletir e pensar, principalmente educando, em uma aula, em meio a algumas quebras da parede virtual, a exercitarmos o tão importante pensamento crítico, o que nos distingue dos demais animais.
Em sua luta eterna contra a banalidade do mal, surge a esperança em cada nascimento. Um novo ciclo. E aqui estamos, renovando o mundo, evoluindo na diversidade e na adversidade, nos adaptando a este mundo, como a Arte também vai se adaptando.
E assim como ela chega, ela se vai, mas permanecendo dentro de nós, seres humanos, seres políticos, semeando o pensar, o pertencimento, a educação e a cidadania, que saímos da aula maiores do que entramos.
Ficha técnica: clique aqui
Fotos: Divulgação
Instagram: @wotzik
“Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança.” (Hannah Arendt)
Viva a Arte!
Viva a Diversidade!
Viva o Estado Laico!
Agora somos todos quase iguais
Reduzidos a olhos sem rosto
Sorrindo ou chorando apenas com o olhar
Que mais que antes precisam se fitar
Agora o vento não bate mais em todo rosto
Há saudades do que parecia não ter valor
O simples virou luxo
E o luxo ficou obsoleto
Agora não há novo normal
Há uma realidade
E um novo mundo implora para nascer
Daquele que está morrendo
Rodrigo Ferret - 29/07/2020
“Deus te ama e tem algo reservado para você”, com este breve recado se
inicia o experimento cênico Terra Plana, uma distopia virtual, que transita pelo
teatro, pelo cinema, pela interatividade e, principalmente, pela estranha realidade
contemporânea, que a cada dia bate mais forte na nossa porta, ou melhor, na
nossa cara.
Você está preparado para viver sob as regras vigilantes de um Estado terraplanista, autoritário, heteronormativo, negacionista, onipresente, com poucas distrações, sem arte, cinza, mas com deus acima de todos?
Bem-vindos, neste espetáculo você poderá desfrutar do prazer de ser um
cidadão de bem, bem escroto, bem idiota, apoiador do regime, que decidirá o
destino de seres miseráveis, condenados pelos mais diversos motivos.
Como é engraçado viver um lugar tão divertido, onde execuções são comemoradas em programas de TV e podemos rir sem reservas, sem receio do politicamente correto daqueles esquerdistas de tempos de outrora, hoje mera resistência ao poder constituído na Terra Plana, onde se julgam os destinos, sem qualquer proporcionalidade, ampla defesa e contraditório, onde provas são apenas obstáculos desnecessários para prender os indesejáveis e qualquer acusação de racismo, violência contra a mulher, homofobia, transfobia entre outras não passa de puro mimimi.
Terra Plana, uma distopia virtual é uma bela crítica social interativa,
que quebra a quarta parede virtual, nos trazendo um incômodo, uma certa
vergonha, testando o que nos resta de humanidade e empatia.
Com referências a “Fahrenheit 451” (saiba mais) e “1984” (saiba mais), o espetáculo, que foi idealizado antes da pandemia e teve que se reinventar para o mundo virtual, consegue prender o espectador do início ao fim, fazendo-o se sentir no lugar das personagens e, também, do público do insano reality show, que traz a redenção de um dos condenados, uma mostra da nossa sociedade do confronto, na qual tudo se torna uma disputa.
As atuações foram firmes e seguras, com brilho em muitos momentos, bastante
convincentes, causando no público uma mistura de sensações, entre elas, compaixão, raiva, nojo, empatia, como se pode perceber no bate-papo
ao final da apresentação, um trabalho forte com um resultado interessante.
Tecnicamente, o experimento está muito bem montado e adaptado para o
mundo virtual, neste momento tão difícil para os artistas. A direção e a edição
dos vídeos estão excelentes, não havendo em nenhum momento falhas que deixem o público
na dúvida daquele pequeno recorte da realidade ou que o façam deixar de
perquirir o que estão vivenciando. Tomara que em breve possamos assistir essa
peça em um palco, com ar do teatro, com a luz cênica, com toda aquela atmosfera
magnífica.
Ficha técnica e ingressos: clique aqui
Fotos: Casa de Ferreiro
Por fim, como não se emocionar com a homenagem a eterna e saudosa Marizilda Dias Rosa, falecida em abril/2021, vítima do genocídio que estamos presenciando todos os dias, artista parceira da Companhia, uma atriz incrível e inesquecível, o sorriso mais lindo que já se viu e a pessoa que deixava qualquer um que convivesse com ela com a alma leve depois de uma simples conversa, uma das pessoas mais especiais que tive a honra, a sorte, a alegria e o orgulho de ter sido amigo.
Viva a Arte!
Viva a Diversidade!
Viva o Estado Laico!
Viva o Teatro!
Viva a Poesia!
Tempo do óbvio
(https://poesiasentipensante.blogspot.com/2021/02/tempo-do-obvio.html)
Hoje é tempo de discutir o óbvio
É tempo de defender a compaixão, a
empatia, a equidade
É tempo de defender a cultura, a educação,
a saúde
Hoje é tempo de discutir o óbvio
É tempo de defender que não é mais
possível viver olhando só para si
É tempo de defender que os direitos
humanos não são apenas para alguns humanos
Hoje é tempo de discutir o óbvio
É tempo de defender que um futuro só é
possível, olhando o passado
É tempo de defender que um futuro só é
possível, corrigindo o presente
Tudo isso é óbvio?
Rodrigo Ferret – 22/06/2020
Recebi um convite despretensioso para assistir a uma peça de boneco. Um artista me procurou, dizendo que se lembrava de ter lido sobre um escrito meu sobre uma peça que ele tinha participado e perguntou se eu poderia assistir Brasil: Versão Brasileira, do Grupo Pigmalião Escultura que Mexe. Mal sabia, que estava diante de uma experiência incrível, mesmo com todas as limitações de ver um espetáculo diante de uma tela, emocionante, reflexiva, não um tapa na cara, para acordar, mas uma verdadeira chacoalhada, que nos revolve neste momento que estamos vivendo neste país, que a cada dia tem se tornado pesado e difícil.
Concebida inicialmente para uma apresentação na França em novembro/2018, a peça se tratava de uma exposição de um bonequeiro expondo as suas contradições de brasileiro a uma plateia francesa. Um latino americano no meio de colonizadores. Em 2021, em plena pandemia, no epicentro, o desafio seria outro, atualizar o espetáculo, apresentando as nossas contradições para nós mesmos, os brasileiros.
Como
bonequeiro, Eduardo Félix não se apresentaria em carne e osso, mas por meio de
um boneco de madeira e fios, que impressiona pela semelhança, expressão, emoção
e realidade que transmite as ideias de seu criador e em cima de madeira, como
um barco que atravessa o oceano com medo do mar, mas sem medo da madeira sob
seus pés, o grupo navega por nossa história, desse estupro gigante que nascemos,
nesse país do futuro do pretérito no qual as pessoas sabem o que é ser carvão
para queimar e que não se manipulam apenas bonecos, onde dançamos alegres a música
mais triste, nos perguntando rindo por fora e chorando por dentro: quando isso
tudo vai mudar?
A peça traz conceitos históricos baseados em uma vasta bibliografia de autores importantes que se debruçaram a escrever sobre nosso país: Carolina de Jesus, Oswaldo de Andrade, Abdias Nascimento, Eduardo Galeano, Darcy Ribeiro, Milton Santos, Paulo Freire, Silvio Almeida entre outros, além de ser claramente observada, no decorrer da apresentação, uma forte pesquisa historiográfica sobre as mais diversas fontes, para dar voz ao boneco que pergunta quem deveria estar escutando o que ele tem para falar, pergunta complexa neste momento tão estranho que as verdades foram substituídas por opiniões terceirizadas, onde se impedem sem crime, condenam sem provas, executam sem disfarçar: seja por asfixia, fome ou tiro.
A fotografia, o audiovisual e a trilha sonora da peça simplesmente nos fazem esquecer por algum momento que estamos em casa, em uma tela, assistindo a peça, em um momento mágico, que nos faz lembrar a importância da arte e dos artistas, que dão vida aos sonhos, verdadeiros alquimistas, não nos deixando esquecer quem somos. Espero muito assistir esse espetáculo ao vivo e sentir todas as emoções que ele pode proporcionar.
Por fim, sugiro um estudo na melhoria da mixagem em alguns momentos, que embora seja uma cara opção a sobreposição de áudio, que funciona muito bem, em outros traz uma pequena confusão. Também sugiro não colocar o curta antes da apresentação, em que pese ser tão especial, pela força da peça, bem como, se possível, ter um making-of ao final.
Agradecimento:
Daniel Ferreira
Ficha
técnica: clique aqui
Fotos: (https://www.pigmaliao.com/).
Link do ingresso: clique aqui
A
experiência cênica solo, apresentada por Bruno Estrela e dirigida por Sílvia Viana,
propõe ao espectador ficar cara a cara, ou melhor, tela a tela, com uma pessoa que
ama as artes e que se recusa a repetir o destino do homem mediano, prestes a cometer
um ato sem chances de retorno.
Elegância do Ouriço é uma livre adaptação baseada no livro homônimo da escritora francesa Muriel Barbery (sobre o livro). Nesse jogo, somos confrontados com reflexões que vão da falsa lucidez da maturidade à brevidade e busca do sentido da vida, onde planos se dissipam sem aviso e pessoas que perseguem estrelas em um momento estão confinadas em outro, presas em um mundo sem poesia, onde animais e objetos substituem o afeto humano, pessoas cabem em pequenos aquários e palavras tem mais valor que os atos.
Interessante e impactante a interpretação de Bruno Estrela, dando vida e energia cênica a Benjamim (baseado na personagem principal do livro), um ator desempregado, filho de pais ricos, transitando entre a loucura e a lucidez de um artista no limite de sua dramática existência. Importante mencionar que a experiência cênica consegue captar com beleza e simplicidade a essência do livro, que merece ser conferido após a assistir a primorosa apresentação.
MA CA COS!!! MA CA COS!!! MA CA COS!!!
O
eco de Clayton Nascimento, um gigante dos palcos e da vida, reverberou
novamente, agora em uma caixa cênica possível dentro da pandemia, em um importante
festival transmitido via Youtube, nos mostrando na adaptação da peça integral, com
a mesma força de uma apresentação presencial, a face perversa do nosso país sob
o olhar da negritude.
A
peça traz questões históricas como o branqueamento artificial de Machado de
Assis, os 388 anos de escravidão oficial e suas consequências até o momento insuperáveis,
bem como nos mostra a realidade atual da Segurança Pública, criada no Rio de
Janeiro em 1808 para proteger a corte (saiba mais) e que perpetua as desigualdades e o preconceito com violência e opressão,
matando dentro de casa, de forma covarde, proibindo crianças negras de sonhar, tornando
o extermínio do Povo Negro uma política institucional.
Fica
evidente que precisamos contar nossa história de forma digna, diversa e plural ,
resgatando personagens importantes e “esquecidos” por terem lutado contra o
sistema vigente, como Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar (biografia)
e João Cândido, o Almirante Negro (biografia).
Também precisamos saber que chicoteavam pessoas por diversão em praças públicas
e que temos o dever de mostrar que diversos patronos de instituições atuais eram
racistas genocidas declarados, como Paulo Fernandes Viana (patrono da Polícia) e
Duque de Caixas (patrono do Exército).
O
teatro como arma assusta e afronta a elite quando encanta e alimenta o povo de
conhecimento. E como é bom saber que existem atores como Clayton Nascimento,
que me faz lembrar Abdias Nascimento, autor do clássico O Genocídio do Negro
Brasileiro (sobre o livro),
sempre deixando o público perplexo e hipnotizado com sua interpretação visceral
e intensa.
E eu encerro o texto com dois poemas, um com um assunto
que precisamos lutar para mudar e com outro que precisamos sempre buscar. A Paz
e a História não podem ser apenas brancas.
Os alvos
Os alvos não são
alvos, sendo alvos ou não.
Os alvos da polícia
não são alvos, sendo alvos ou não.
Os alvos da polícia
não são alvos quanto ao tom de pele, sendo alvos ou não.
Os alvos da polícia
não são alvos quanto ao tom de pele, sendo alvos ou não quanto as atitudes e
comportamento.
Alvo tem diversos
significados, mas insistem que ele seja um só.
Rodrigo Ferret –
22/06/2020
Djanira
Retiraram do salão
teus nobres Orixás
Os exilaram no porão
Teu quadro virou
reserva técnica
Arquivado
Sua poesia em tinta
Teu modernismo transcendente
Não faz diferença aos
indiferentes
Enquadrados
Os Orixás
As religiões de
matrizes africanas
Perseguidos pela pequenez
da casa grande
Limitada
Tudo isso vai passar
Teu quadro rodar em
exposições pelo país
A cultura africana
estudada e respeitada
Honrados
Rodrigo Ferret –
03/09/2020