Isso é Teatro?
Que peça mais estranha...era isso que martelava na minha cabeça ao sair do teatro. Isso e uma música do Bee Gees, que insistia em não sair dos meus ouvidos. Misanthrofreak é uma daquelas peças que o espectador leigo, porém curioso, começa a entender depois que ela termina, tamanha a sensação de estranhamento que causa. Não há muito sentido coerente em seu desenrolar, é um quebra cabeça que depende de boa vontade do espectador, mas quando extraída nela o que há de melhor, transforma-se em arte de primeira qualidade. Rodrigo Fischer encarna a solitária personagem, que tenta o tempo inteiro dialogar com o público, apresentar algo, mas nunca consegue chegar ao seu objetivo, tenta de todas as formas, chegando ao seu limite de angústia em vários momentos. Uma eterna reflexão sobre fracasso, a tentativa e erro, a solidão. Um mundo cinza, desencantado, que só é amenizado pelo uso da tecnologia presente na cena (que paradoxalmente amplifica a sensação de solidão) e pelo contato com público.
Comecei a entender melhor o que tinha presenciado, após pesquisar sobre a peça e descobrir que era inspirada na obra “O inominável” de Samuel Beckett, dramaturgo que apenas tive contato superficial com “Esperando Godot”. Li alguns artigos. Me chamou a atenção que em sua dramaturgia tudo termina e recomeça novamente. Uma estrutura cíclica e sem fim, da mesma forma que a personagem tenta se expressar e nunca consegue. Sempre o tempo estando presente, sempre o estado de espera falando mais alto, a contagem regressiva projetada em cena. Uma estética do precário. A personagem em cena, como as de Beckett, um ser despedaçado que aceita seu estado de ser transitório e estático. A lógica becketiniana subvertendo e diluindo os valores cristalizados do teatro tradicional, mostrando uma visão desencantada e pessimista sobre o mundo caótico e incompreensível, provocando estranhamento, um riso incômodo e sufocado, nos tornando parte daquela humanidade fracassada apresentada no palco.
Atravessamos a peça na expectativa de uma descompressão que não vem. Estava ai a chave para curtir e saborear o que havia de melhor da peça, perceber as intenções de Beckett e saber que como é complexa e fascinante sua dramaturgia, muito bem representada em Misanthrofreak. Peça que me apresentou a este universo e me fez aumentar o meu interesse sobre o genial dramaturgo. O maior legado desta peça é despertar o interesse neste tipo de dramaturgia através do estranhamento.
Presenciei uma interessante interação entre o Teatro, Cinema e Música, muito bem executada no palco, de forma orgânica, dentro da proposta da peça, realizada por meio da tecnologia manipulada pelo ator em cena. Diversas referências e homenagens a clássicos da 7ª arte e da música, trazendo nostalgia e uma dose de melancolia. Momentos de tênue e passageira felicidade como por exemplo a quebra da quarta parede com o público acolhe o ator, cantando com ele a bela e triste “I start a joke”, a música que não sai da cabeça, que tem muito a ver com este universo cíclico e sem fim.
No final, algo projetado em uma tela, soa como reflexão: Isso não é Teatro! Misanthrofreak é o Antiteatro, que de forma inteligente zomba das certezas e convenções.
Sim! Isso é Teatro. Teatro de alto nível. Bem elaborado, feito com um visível cuidado e muito trabalho físico e mental.
Obrigado por me apresentarem ao fascinante e perigoso mundo de Beckett.
Teatro Paulo Autran - Sesc Taguatinga/DF – Brasil Dia: 13/09/2014 – Única apresentação
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