terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Fim de Partida – Cara d’Palco (DF) – Teatro Oficina Perdiz – DF



Uma viagem ao mundo do Absurdo (saiba mais).

Samuel Beckett (saiba mais) sempre atrai quem precisa pensar e questionar. Falando de paralisia em movimentos repetitivos e simétricos, Fim de Partida (1954/1956) trata de relações familiares tóxicas, abusivas e de poder. O absurdo sempre atual da existência humana.


Escrito no pós-guerra, em tempos de ruptura, o texto tem a atmosfera da desesperança da harmonia da convivência entre seres humanos. Vivendo em um buraco, um cego paralítico manipulador chamado Hamm, seus pais sem pernas Nagg e Nell que vivem em latas de lixo/caixote e Clov, o serviçal, que não pode se sentar e, apesar de possuir deficiência cognitiva, é o único que pode se mover neste jogo cruel de sobrevivência.



A montagem do Grupo Cara d’Palco consegue chocar e trazer o espectador para o buraco, confrontando suas mazelas, inserindo-o no labirinto sem fim do jogo. O grupo também atravessa o drama com certo humor, que vem do desespero das personagens na ausência de tudo.



O cenário feito com sucatas atende ao que o texto pede, ajudando no choque e no estranhamento. Considero um acerto a solução do uso de caixotes como local dos pais de Hamm.



Destaque para a atuação de Yago Queiroz, que interpreta Clov, consistente e convincente, levando sua personagem ao extremo do que o autor propõe. Interessante a canalhice do Hamm de Rai Melodia, que em muitos momentos consegue oprimir de forma violenta, um abutre que se alimenta do mal. Méritos para a atuação de Luiz Felipe Vitelli (Nagg) que consegue atingir o objetivo de mostrar o vigor de quem quer sobreviver em meio ao caos e Revaci Moreira (Nell) que traz um pouco de afetividade e graça ao jogo. Como sugestão, entendo que o Grupo precisa aproveitar mais as pausas da peça e valorizar o silêncio em alguns momentos.



Feliz com a notícia que o grupo vai circular  com o espetáculo em Brasília e em outras Unidades da Federação. Parabéns pela ousadia de montar um autor tão difícil, mas que precisa ser sempre revisitado para ajudar a nos conhecer como seres humanos e a revelar o enigma da nossa existência.


“Não há nada mais divertido do que a desgraça” – Samuel Beckett

Site do grupo: link

Fotos: Divulgação

Agradecimento: Márcio Rodrigues

sábado, 11 de janeiro de 2020

Stanislove-me – Teatro Pandego (DF) – Espaço Cultural Renato Russo – DF


Uma jovem atriz. Uma imensidão de tablado. Luz. Música. Plateia. O banquete antropofágico está para começar. Quem devora quem?


No Palco, Maria (Bruna Martini), uma aspirante à atriz, uma estudiosa das artes cênicas, mostrando tudo que aprendeu. Deslumbrada, orgulhosa, ingênua. Erros e acertos. Coragem e vontade de seguir o ofício teatral. Influenciada por Stanislavski (saiba mais) e Artaud (saiba mais), reprimida por sua mãe, que não quer vê-la sofrer em função da escolha profissional, Maria luta pelo que acredita, mostrando toda a sua fragilidade humana e artística.



Em cena, exercícios teatrais, ensinamentos, referências, técnicas, além de deboche, desobediência, sarcasmo, loucura, seriedade, talento, suor, sangue e entrega. Interessante ver os conflitos entre gerações, os conflitos entre séculos, o conflito entre a atores perante a autoridade de diretores e até mesmo o conflito entre Maria e o Mestre Stanislavski. A qual ousa questionar de forma desafiadora se os ensinamentos do livro A Construção do Personagem (1938) se aplicam no teatro brasileiro nos dias de hoje.



O espetáculo é uma homenagem aos artistas de alma e ao teatro, que brinca de forma séria com as possibilidades, com as questões humanas e artísticas, divertindo, emocionando e fazendo refletir. A peça transita ainda desde belas referências a Dulcina de Moraes, Bibi Ferreira e Fernanda Montenegro, passando por paródias musicais interessantes até o momento trágico que vive nossa sociedade, no qual as igrejas estão proliferando e os teatros sendo fechados e os artistas perseguidos.



A atriz Bruna Martini, dirigida pela renomada Simone Reis, transcende em cena assim como Artaud e não representa, mas atua como ensinou Stanislavski, vivendo de fato a experiência, que conforme prometido, não se repetirá da mesma forma amanhã. Uma desconstrução, na qual se morre para se nascer em cena. Haja talento, pesquisa e entrega, que se materializam no trabalho corporal que hipnotiza o público e o atrai ao já mencionado banquete. A peça recebeu o prêmio de melhor atriz na mostra competitiva do 6º Festival de Teatro Universitário do Rio de Janeiro (2016), deixando claro que Bruna tem um belo e longo caminho profissional a seguir.



Acompanhando Bruna, o músico Chico Mosrri, excelente e preciso, faz a sonoplastia ao vivo e também participa e complementa o caldo antropofágico. Destaque para o prêmio de melhor sonoplastia no Prêmio Sesc do Teatro Candango 2018.


Se o teatro é a arte do encontro e do presente, por qual motivo a luta para manter a chama cênica acesa é tão árdua? A culpa é o teatro ou das pessoas? Se estar presente é um ato de entrega e disponibilidade, ir ao teatro é se doar um pouco. E em uma sociedade que não se doa, isso é uma dificuldade. É bem mais fácil estar em frente a uma tela. Mas as telas jamais vão conseguir chegar na experiência que o teatro é capaz de entregar. Não tocam a alma, nem jamais serão únicas.

Viva o Teatro, seus monstros sagrados, seus artistas de alma e seu público!!!


Ficha técnica: link

Fotos: Divulgação

Agradecimento: Max Lage

sábado, 4 de janeiro de 2020

Vamos Comprar um Poeta (RJ) – CCBB-DF


Premiado Musical infantojuvenil que encerra a trilogia “Três Histórias de Amor para Crianças”, composta por “A Gaiola” e “Contos Partidos de Amor”, “Vamos Comprar um Poeta” é um belo manifesto e uma homenagem à Cultura.

A criação é arte.



Adaptada do livro homônimo do escritor luso Afonso Cruz, que o escreveu em um momento de grave crise em Portugal, traz ao palco a importância da arte em uma sociedade cartesiana, que está perdendo a sensibilidade em meio a números, percentuais, planilhas, algoritmos, imersa em relações superficiais.

Como em um livro tão pequeno pode estar falando tão grande?



Vistos com desconfiança, os artistas, chamados de inutilistas, são vendidos em uma liquidação. Dentre os objetos à venda, um poeta. Que dois irmãos insistem em levá-lo para casa, contra a vontade dos pais. Aos poucos, a convivência com o poeta afeta a todos, trazendo àquela sociedade o mundo lúdico, a criação, a poesia e a arte, em um choque no qual ninguém permanecerá como antes.

O artista é você.



Os atores Letícia Medella, Luan Vieira e Sergio Kauffmann estão em uma sinergia e uma naturalidade tamanha que fazem as cenas funcionarem de forma orgânica. O trabalho corporal baseado em pesquisa e visível dedicação é muito bem feito, uma verdadeira dramaturgia do corpo dirigida por Duda Maia em cima da interessante adaptação textual de Clarice Lissovsky. A trilha sonora de Ricco Viana linda e poética, complementando a imersão das cenas, me fez cantarolar alegremente enquanto escrevia.

Temos milhas a percorrer antes de dormir.


 “Vamos Comprar um Poeta” é um espetáculo que emociona e faz refletir sobre a importância da arte no cotidiano e revela que, em tempos sombrios como o nosso, a arte, que é a primeira a sofrer cortes e ataques, será a primeira a nos iluminar na escuridão. Cada luz que se acende quando o poeta que nos habita aparece é um farol, tanto no palco, quanto na vida. É a cultura que abre as janelas da nossa mente. Precisamos relembrar e reafirmar sempre o valor da cultura. Quem acha cultura cara para um país, não conhece o custo da ignorância.

Será que a cultura te ameaça?


Agradecimentos: Rodrigo Machado, Ana Celina e Bruno Mariozz

Fotos: Renato Mangolin

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Dicas culturais em Brasília - DF Janeiro/2020

O Prestidigitador
17 a 19/01/2020
Espaço Cena - 205 Norte Bloco C
@espaco_cena


Fim de Partida - Samuel Beckett
Lieta de Ló - 04 a 05/01/2020
Oficina Perdiz - 11 e 12/01/2020


Os Saltimbancos
Espaço Cultural Renato Russo 508 Sul
24 a 26/01; 31/01 a 02/02 e 07/09/02/2020
Link do evento
Crítica em breve


Hiato
31/01 a 02/02 e 07 a 09/02/2020
Espaço Cultural Renato Russo 508 Sul
Link do evento


Stanislove-me
Espaço Cultural Renato Russo 508 Sul
10/01 a 12/01/2020


O Rinoceronte
Espaço Cultural Renato Russo 508 Sul
24/01 a 23/02/2020


Vamos comprar um poeta
CCBB-DF
02 a 12/01/2020
Link do evento
Crítica teatral


Programação completa dos espaços culturais de Brasília:
Sites de compra de ingressos:

Blogs de Crítica Teatral  e de Teatro:
Cricri em cena

Cursos de Teatro em Brasília:
@oficinacircointimo
Oficinas e cursos do Espaço Cultural Renato Russo
https://www.facebook.com/ciadailusao/
companhiacasadeferreiro@gmail.com
@cursoteatrobf
www.iacan.com.br



sábado, 14 de dezembro de 2019

Monstros – Cia Novos Candangos (DF) – Teatro Goldoni


Estações de rádio sintonizadas de forma aleatória, luzes piscando de forma intermitente, muita fumaça. A senha para percebemos que algo estranho irá ocorrer. Mesmo em tempos estranhos, podemos ser sempre surpreendidos. Tudo pode acontecer.



Um prédio comum, com pessoas comuns. Conhecemos os moradores, cada um com suas peculiaridades e idiossincrasias, donos de seu reino domiciliar, agora expostos em uma reunião de condomínio. “Velhos desconhecidos”, terão a oportunidade de conhecer o pior dos vizinhos, em um clima tenso tomado pela paranoia de uma suposta invasão alienígena, em uma peça lúdica e bem humorada, mas que não deixa em nenhum momento fazer o público se enxergar como ser humano ali dentro daquela micro experiência.



A peça de “fake-ção científica” tem inspiração no seriado Além da Imaginação e claras homenagens à transmissão de rádio da novela Guerra dos Mundos em 1938, que causou pânico nos Estados Unidos (saiba mais), ao pop e aos filmes B de ficção científica.



Formado por Diego De Léon (o zelador Almeida), Natália Leite (a blogueira Daisy), Tati Ramos (a delegada Nádia), Xiquito Maciel (o artista Mendes Castro), André Rodrigues (o cidadão de bem Peixoto) e Mateus Ferrari (o síndico Viera), o elenco do espetáculo está em ótima forma e sincronia, capturando a atenção do público do início ao fim da peça. Como sugestão, eliminaria o Peixotinho, e o substituiria por citações do pai ao que ele falou.


Chama atenção a criatividade da montagem dirigida por Diego De Léon, a forma de composição do cenário com objetos, luz, efeitos especiais, fumaça e coreografia de todos os atores, tornando a caixa cênica fluída em diversos momentos.


Monstros é uma peça muito criativa, diferente e bastante interessante, combinando humor, ficção científica, drama e crítica social. Merece ser prestigiada e assistida. Que tenha uma longa temporada e lote nossos teatros.


Parabéns à Cia Novos Candangos, que tem a força e a ousadia de fazer de teatro independente com qualidade em tempos que a verdade foi substituída pela opinião.

Agradecimento: Diego de Léon

Ficha técnica e reportagem: clique aqui

Fotos: Nityama Macrini



sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

O Direito ao Grito - Oficina Circo Íntimo (DF) - Sesc Garagem



A Oficina Circo intimo, com direção de Abaetê Queiroz (saiba mais) e Juliana Drumond (saiba mais), apresentou, como resultado do curso de iniciação teatral, a montagem da peça O Direito ao Grito, baseada no livro A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (biografia).



O livro possui 13 títulos e conta a história da anti-heroína Macabéa, uma nordestina que vai atrás de seus sonhos no Rio de Janeiro (saiba mais).


 A CULPA É MINHA OU A HORA DA ESTRELA OU ELA QUE SE ARRANJE OU O DIREITO AO GRITO QUANTO AO FUTURO OU LAMENTO DE UM BLUE OU ELA NÃO SABE GRITAR OU ASSOVIO AO VENTO ESCURO OU EU NÃO POSSO FAZER NADA OU REGISTRO DOS FATOS ANTECEDENTES OU HISTÓRIA LACRIMOGÊNICA DE CORDEL OU SAÍDA DISCRETA PELA PORTA DOS FUNDOS



Por que escrever sobre iniciação teatral?

Primeiro, pela importância deste trabalho de fazer as pessoas viverem o teatro na pele, mobilizando familiares, se superando, cada um com o seu objetivo particular, para montarem e sentirem uma peça ser criada e apresentada. Um crescimento pessoal individual baseado no coletivo, conduzido por dois grandes artistas. Um respiro no mundo da arte, uma descompressão. Todos que participam de uma oficina desta jamais irão assistir uma peça, ver um filme ou ir a uma exposição da mesma forma que iam antes.


Segundo, pela importância do contato com Clarice Lispector, alguém de quem muito se fala e de quem poucos afortunados se aprofundam e mergulham na riqueza de sua obra. Assistir ao resultado, foi mais uma oportunidade de vivenciar por alguns minutos o que uma das maiores escritoras de todos os tempos nos deixou.


Quanto ao resultado da Oficina, tivemos uma noite bem interessante de soluções cênicas, riqueza de detalhes, teatro lotado e reflexões, com entrega e desprendimento dos atores, alguns com o objetivo apenas de se superarem em um palco, outros já brincando com a veia artística, impostando a voz e fazendo movimentos mais complexos na realização dos exercícios teatrais. As histórias de Clarice e a de Macabéa foram muito bem contadas e acredito que o objetivo da oficina foi atingido.


O mais importante é cada um ter vivido seu sonho e levar a mágica experiência de subir em um palco para toda vida!



Agradecimentos: Juliana Drummond (@drummondju) e Marcela Franco (@mmfosorio)

Ficha técnica: https://www.facebook.com/oficinacircointimo/ e @oficinacircointimo

Fotos do espetáculo: Luiz Finotti - @vivieluizfoto - (61) 99176-7107