domingo, 30 de junho de 2013

Marcha para Zenturo - Co-criação entre Grupo Espanca! (MG) e Grupo XIX de Teatro (SP) - Caixa Cultural Brasília - DF

Tão efêmero quanto o gelo.



Com ou sem gelo? Com gelo. Uma peça com gelo? Enquanto o gelo é derramado no palco, múltiplas definições vão brotar. Vários significados surgirão. Utilizar o gelo como elemento cênico é bastante ousado, já que ele muda de estado físico durante o tempo da peça, causando diversas dificuldades de ordem prática para os atores. Em cena, o gelo pode ser tudo e pode não ser nada. Assim como o potencial das relações humanas, o tempo e a ilusão de passado, presente e futuro. 



A peça busca instigar em que estão se transformando as relações humanas. O dramaturgo do tempo e do cotidiano Anton Tchekhov descreveu e dissecou isso como poucos fazem nos dias atuais. Essa questão é exposta na peça Marcha para Zenturo, realizada em conjunto pelos coletivos Grupo Teatro XIX (SP) e espanca! (MG). 



A montagem trata do adoecimento permanente e gradativo das relações interpessoais, mostrando uma esperança/desesperança no futuro. Assim como há 100 anos, daqui a 400 anos estaremos envolvidos com os mesmos problemas pequenos e medíocres, sonhando sempre com um futuro melhor, desprezando nosso presente e com saudade do passado. 



Tchekhov, aliás, não aparece só como uma metáfora desse outro tempo. Conduz a metalinguagem que permeia o espetáculo, como o ponto alto, quebrando a estranheza original desse trabalho. Assim, no meio da narrativa, surge o drama do teatro moderno com uma bela adaptação da obra do mestre, na qual há referências aos textos: As Três Irmãs, Tio Vânia, A Gaivota e O Jardim das Cerejeiras, fazendo com que os amantes do teatro "tchekoviano” se deleitassem com cada segundo vivido na transição dos séculos XIX e XX. Essa inserção retrata que, independentemente do lugar e do período, o homem mantém sempre intacta a sua essência.



A superficialidade no trato com o outro, a ausência presencial, a falta de atenção e de toque, o desuso de sermos seres humanos (causando estranheza o simples fato de andar a pé e não em um veículo próprio) são expostos na peça, estes assuntos que estão entrelaçados na narrativa, que usou e abuso da técnica de viewpoitns, assumida claramente no delay entre as falas e movimentos, provocando um diálogo ausente entre as personagens. O que gera um clima de estranheza e ao mesmo tempo familiar, já que todos esses problemas são urgentes e eternamente relegados ao segundo plano, fato que só mudará quando o outro for importante, algo que, provavelmente, nunca acontecerá na história da humanidade. Apesar de ser importante para o entendimento da peça, o uso da técnica de viewpoints causa certo de cansaço no espectador, que precisa de muito mais concentração para não perder o que o texto tem a dizer.



Marcha para Zenturo não é uma peça fácil. O espectador precisa se dedicar para retirar o melhor que ela possui e poder realizar as múltiplas leituras e interpretações que a peça oferece. Dois problemas, no entanto, foram observados: a autoexplicação e a justificação excessiva e desnecessária da peça, provocando diversas repetições. Uma delas diz respeito ao personagem Marcos, que desce ao palco para explicar que o gelo está derretendo e representa o tempo. Mas nada disso chega a macular o acontecimento do encontro desses dois grupos importantes no cenário nacional, tornando um evento obrigatório para os amantes do bom teatro.

CAIXA Cultural Brasília - 21 a 30 de junho de 2013