segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Manhã – Grupo Domo – Teatro Plínio Marcos – Funarte - DF


 Foto: Ana Larissa

Eu tinha me programado para escrever sobre outra peça, até saber que o espetáculo “Manhã” estava sendo atacado pelo discurso de ódio de pessoas que, em pleno século XXI, ainda não entenderam o que é respeito, pluralidade, diversidade, individualidade e liberdade. Quis o destino que eu presenciasse a última apresentação. A despedida. No dia de aniversário de Plínio Marcos, 29 de setembro, no teatro que leva seu nome, no Complexo da Funarte, casa dos artistas que, por ora, está sendo gerida por pessoas antiartistas, anticultura, enfim, antipovo.

Fundado em 1994 pelo ator, diretor e dramaturgo André Garcia, o Grupo Domo realiza pesquisas no teatro autoral e reflexivo. Uma arte renovada como cada manhã que surge, sem deixar de trazer experiências de outrora.

Foto: Flora Negri

“Manhã” é uma peça sobre seres humanos. Com a urgência da necessidade de ser feliz, de buscar seu espaço, de ter liberdade de escolhas, de viver, de ter privacidade. De tão humana, a peça acolhe os espectadores de uma forma surpreendente, cativando o público e fazendo do teatro um espaço de comunhão, mostrando que o amor é um tema universal.

Foto: Edmir Amanajás

Contando a história de uma relação em crise, “Manhã” se passa em uma única noite. Quando alguém toma coragem e desejando dar um basta na situação, dá um ultimato para o outro decidir antes que amanheça. Antes do maior espetáculo da terra, uma chuva de meteoros.

Foto: Edmir Amanajás


A peça apresenta uma reflexão bem humorada, espirituosa e íntegra sobre a união homoafetiva, mostrando a luta pelo respeito e representatividade, a conquista do espaço e o enfrentamento ao preconceito e à discriminação, tanto socialmente, como internamente.

Foto: Milla Russi

Embora o beijo fosse interrompido por buzinas. Teve beijo SIM. Assim como teve cena de sexo entre dois homens nus, SIM. E tudo isso é importante, SIM. Para mostrar que o amor, o afeto e o sexo são universais e precisam ser representados nas artes, na cultura, no cotidiano. As pessoas não vão deixar de existir, nem de viver o que desejam por que alguns não querem. Gente existe para ser feliz!!!

Foto: Milla Russi

Parabéns ao Diretor, Ator e Dramaturgo André Garcia, pela peça, atuação, coragem, força e leveza. Seu discurso de encerramento foi emocionante. A arte sempre vai vencer!  

Parabéns ao ator Bruno Estrela pela entrega, vontade e talento.

Interessante a solução cênica utilizando personagens sombras e coringas inspiradas na figura do koken do Teatro Noh japonês, interpretadas pelos atores Leudo Lima e Guilherme Victor, que contribuíram para o desenvolvimento das cenas, passando de simples ajudantes de cena a personagens vivos e fundamentais.

Foto: Milla Russi

Foto: Edmir Amanajás


Por fim, uma frase do aniversariante da noite: “A POESIA, A MAGIA E A ARTE ... AS GRANDES SABEDORIAS NÃO PODEM HABITAR CORAÇÕES MEDROSOS”.  
  

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Antígona, ensaio sobre a tirania - Teatro do Exílio - Espaço Cultural Renato Russo


Foto: André Fernandes

O Teatro do Exílio apresenta Antígona, um ensaio sobre a tirania. Uma adaptação da peça escrita por Sófocles em 442 a.c, que retrata a luta de Antígona para enterrar seu irmão, desafiando o Rei Creonte (https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-tragedia-na-peca-teatral-antigona-sofocles.htm).

O Grupo, que foi criado em 2013 na Universidade de Brasília com o nome de Coletivo Calcanhar de Aquiles, realiza pesquisa da atualidade da tragédia como gênero dramático. Trazendo o texto de Sófocles para os nossos dias, consegue mostrar a essência do clássico acrescentando camadas de atualidade e realidade que vão se sobrepondo.

Tebas - antiguidade, Brasil 1964, Brasil - dias atuais.

Como Creonte, os governos totalitários ou mesmo um fascista que foi eleito “democraticamente” tem a necessidade de usar a autoridade como um recurso de decisão para manter a ordem. Governando por decretos ou comprando votos, sem ouvir o povo, com idiossincrasias e ideologias vazias, estes presidentes deixam facilmente de serem chefes de governo para virarem tiranos, agindo sob a subjetividade e as preferências pessoais, esquecendo que nenhum governante pode ultrapassar os limites que violam a sociedade.

                                                                                  Foto: André Fernandes

Nossa heroína, uma Antígona da periferia que reivindica por seus direitos, vem nos lembrar de que sempre precisamos lutar contra o totalitarismo, contra o fascismo, contra regimes militares, contra preconceitos, contra ataques às minorias, contra injustiças, contra prisões políticas e demais arbitrariedades. Ela vem nos lembrar da necessidade da desobediência civil quando o obscurantismo e o totalitarismo querem nos engolir. Mesmo que o risco seja a morte, devemos lutar como uma Antígona!

                                                                                   Foto: Tonhão Nunes

Fumaça, sombras, luzes de holofotes estrategicamente colocados. Obscuridade. Uma banda de rock com som psicodélico. A plateia na berlinda. O palco fora, a plateia dentro. O público restrito, confinado em um quadrado. Cheiro de sangue. Afogamentos. A tensão no rosto da plateia é permanente. Chega a impressionar a reação de alguns à opressão que sentimos. O sentimento ruim de presenciar um regime totalitário covarde, em um Estado que deveria existir para evitar a dissolução da sociedade, mas que se comporta de forma marginal e clandestina, movida por vontades pessoais do governante. Sem diversidade. Sem pluralidade. Sem direitos fundamentais individuais.

                                                                          Foto: Renata Rubia Fernandes
                                                                                   

Peça urgente e potente. Viva. Feita com “sangue nos olhos”. Convida-nos a refletir sobre as consequências de sermos educados a sempre obedecer. Qual o limite da covardia? Qual o limite da aceitação? Quando dizer basta? Embora esteja em curso um projeto de fazer nosso povo acreditar, jamais o Estado estará acima de tudo, nem Deus acima de todos.

                                                                                     Foto: Dani Souza

Sob a direção orgânica de Bárbara Figueira, que atua como o profeta cego Tiresias, a peça será apresentada em breve em diversas cidades satélites, levando o teatro e suas questões onde o povo está. Nosso povo, que precisa tanto ser continuamente relembrado do que aconteceu para que sejam evitadas novas ditaduras requentadas, perdas de direitos e opressões.

Somos todos Antígona!!!

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O Amor vai te foder um dia - Casa de Ferreiro/Bruno Estrela - Teatro Oficina Perdiz



Plínio Marcos é um gênio do teatro mundial, que inovou e quebrou paradigmas, trazendo ao palco e colocando debaixo do holofote pessoas e questões que não interessavam e continuam a não interessar à maioria. O próprio Plínio ironizava, ao afirmar que suas peças virariam clássicos se o país não mudasse. E, conforme previsto, viraram.



Navalha na Carne, estreada em 1967 em plena Ditadura Militar, é a matéria prima para a livre adaptação da peça da Casa de Ferreiro Companhia de Teatro, que mergulha na história de Neusa Suely, a puta, a acabada, a destruída, a explorada por Vado. É um grande manifesto contra a violência emocional às mulheres proveniente de relacionamentos abusivos, um trabalho intenso de pesquisa da Companhia e do Diretor Bruno Estrela, que mescla o texto original com texto autoral e depoimentos de mulheres abusadas, em um trabalho que merece novos palcos.



Pague, receba “amor” em troca, um ingresso em forma de coração. Isso é amor?

Transportados para o palco da vida, nas quebradas do Mundaréu, estamos sentados na mesa de um bar, com cervejas em volta, carros cantando pneu, o barro de Brasília, putas e cafetões contando suas vidas de merda, mendigos catando lixo e temendo pelo pior. Aqueles excluídos, invisíveis, marginais e miseráveis a quem Plínio Marcos deu tanta voz e por isso foi diversas vezes censurado. Será que eles são gente?



Após o choque inicial, continuamos em estado de atenção para vivermos de perto o abuso, a covardia, o desrespeito, o machismo, tão infelizmente cotidianos, culturalmente arraigados em nossa sociedade. Isso vai mudar?



A peça em diversos momentos surpreende o público, com soluções como em um metatexto que joga com a possibilidade de estarmos vivenciando uma preparação de atores, passando por debates importantes e a desconstrução do macho predador. Isso é vingança?



As fases da vida de Neusa Suely, as diversas Neusas Suelys, dão ao público a possibilidade de reflexão ao mesmo tempo em que emociona e o faz se solidarizar com a dor delas, com suas vidas suspensas, degradadas; são muitas as infelizes, vitimadas, desumanizadas. A vida nua e crua. Independentes da idade todas foram fodidas pelo amor. Tem alguma dúvida que o amor vai te foder um dia?



Parabéns aos atores Bile Zampaulo, Du Oliveira, Élder de Paula, Gabriel Fernandes, Juliana Cavallari, Luís Ferrara, Madelon Cabral, Samuel Mairon, Silvia Mello, Silvia Viana, Tati Santana, Tina Carvalho, e Yeda Gabriel, que captaram a necessidade de fazer o público sentir o soco no estômago e as mais diversas sensações e emoções.

Parabéns ao Diretor Bruno Estrela pelo seu trabalho talentoso, criativo e obstinado no Teatro independente de Brasília.

Como Plínio Marcos, um repórter de um tempo mau, vocês não fazem teatro para o povo, mas em favor do povo, para incomodar os que estão sossegados.



Fotos: Eulenk Fotografia
Fotógrafa: Ellen Carvalho
Instagram: @eulenkfotografia
Telefone para contato: 61 9811-80431

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Aux Pieds de la Lettre - Companhia Dos à Deux (Brasil/França) – Caixa Cultural – DF




Ter a oportunidade de assistir à Companhia Dos à Deux é sempre um privilégio e um prazer. Com um repertório de primeira linha baseado em pesquisas gestuais, o Grupo fundado em Paris em 1998, por André Curti e Artur Ribeiro, apresenta o quarto espetáculo de onze já montados http://www.dosadeux.com/?article160&lang=pt_br.



Escrever sobre peças do repertório da Companhia Dos à Deux é um grande desafio. Ao assistir, ficamos com a sensação imediata de que temos mais perguntas que respostas, mais dúvidas que certezas. Após uma reflexão mais profunda, que depende da vontade do espectador, passamos a entender com mais clareza os momentos que vivemos na plateia, como uma penumbra que vai se movendo e começamos a sentir que estávamos diante de uma obra de arte bem construída com uma marca própria e uma assinatura.



“Aux Pieds de la Lettre” é espetáculo atemporal, sempre atual, montado pela primeira vez em 2001,  que teve como base de pesquisa trabalhos artísticos desenvolvidos no Instituto Psiquiátrico Marcel Rivière (França). http://www.dosadeux.com/?article24&lang=pt_br

O mundo dos sonhos, da loucura e da imaginação, tudo isto está presente e vivo no espetáculo. O desejo de liberdade das personagens confinadas é latente, são como verdadeiras marionetes burlescas que tem a necessidade obsessiva e solidária de dar vazão aos seus desejos e manias. É a poética da loucura nos fazendo pensar na possibilidade do insólito.



O trabalho corporal é ponto alto da peça. Não é nada simples passar mais de uma hora em cena, atuando sem interrupção com uma coreografia e um sincronismo com níveis impressionantes de detalhes. Os movimentos são absolutamente perfeitos e orgânicos e em compasso com a trilha sonora, a iluminação e sonoplastia.




O cenário é composto por uma mesa versátil que participa das cenas e se transforma em diversos objetos que vão das necessidades mais básicas à redenção, além de uma bacia de água com diversas cartas rejeitadas em volta e cordas puxadas por roldanas que permitem as personagens fazerem trocas com o mundo externo.



Obrigado à Companhia Dos à Deux pelo presente no dia do Teatro. Parabéns pela arte, trabalho e profissionalismo que marcam a trajetória do grupo. Parabéns por encararem de frente o obscurantismo e montarem um espetáculo tão belo em tempo tão curto para produzir e divulgar, como no teatro gestual jamais calarão a Cultura.

Observação ao público: sugiro que se familiarize antes com a peça, lendo a ideia central no link da companhia, tendo em vista que se trata de teatro gestual,: http://www.dosadeux.com/?article163&lang=fr.

E lembre-se: “Quem vê o céu na água, não está longe de colocar os peixes nas árvores.”

Teatro da Caixa Cultural Brasília
Dias e horários: de 19 a 21 de setembro de 2019, às 20h, e dia 22, às 19h.

Fotos: Divulgação. 


domingo, 15 de setembro de 2019

Por que não vivemos? - Companhia Brasileira de Teatro - CCBB DF



A primeira peça de Tchekhov, escrita em 1878, esquecida, guardada inacabada em um cofre de um banco em Moscou até ser encontrada em 1920. Quase 100 anos separando sua redescoberta da montagem da Companhia Brasileira de Teatro. Tão atual que se ninguém falasse a respeito, jamais desconfiariam de ter sido escrita há tanto tempo. Tempo este que é uma das matérias primas de um dos maiores contistas e dramaturgos de todos os tempos.

O tempo é trabalhado em cena de diversas maneiras, desde a simples marcação de uma bola batendo na raquete de frescobol, na repetição de uma cena diversas vezes. Um tempo que não passa, mas ao mesmo tempo voa.


A ocupação não só do palco, mas de todo espaço teatral é feita com maestria. Com atores dividindo assentos com o público e o público ocupando lugares no palco. A quarta parede foi estilhaçada em nome da interatividade. Sensacional.

O tédio das personagens e as questões existenciais próprias do autor estão presentes na peça. Fazendo o espectador pensar, refletir, mas jamais se entediar. Por diversas vezes nos vemos ali neles. Por que não vivemos? Como poderia ter sido diferente?



A iluminação e o áudio visual são sincronizados com a interpretação dos atores de uma forma perfeitamente orgânica. Trunfo do diretor Márcio Abreu.

Há um equilíbrio entre as personagens, tendo todas de alguma forma importância fundamental à peça. Impressiona a presença de palco e força cênica de Rodrigo dos Santos, que interpreta Platonov, o herói e anti héroi, sobretudo humano, como todos nós. Camila Pitanga com sua doçura, talento e carisma interpreta, de forma generosa, a viúva Ana, contribuindo para que os demais atores brilhem como ela, em um trabalho de equipe, de time. Kauê Persona dá seu toque de comédia, mas indo no mais fundo drama quando necessário, interpretando o ingênuo e bonachão Serguei. Josi Lopes interpreta Sofia, com uma personalidade fortíssima e uma voz que não dá para explicar o quão incrível, só ouvindo ao vivo. Edson Rocha como o “cidadão de bem” Porfírio está impagável. Cris Larin, Rodrigo Bolzan e Rodrigo Ferrarini completam de forma magistral o elenco.



Resultado final: 5 minutos de palmas, após 2 atos que ao todo possuem 150 minutos. É um feito. Uma aposta que deu muito certo, provando que o Teatro, embora os ignorantes tentem ignorá-lo, censurá-lo, sempre vai estar vivo, pulsante e de pé enquanto existirem artistas e plateia!!!



Obrigado pelo Reveillon antecipado e pela cerveja. Um projeto desse precisa ser celebrado.

CCBB DF
12 a 29 setembro, 2019
Quinta a domingo, às 19:30h

sábado, 14 de setembro de 2019

A Resistível Ascensão de ARTURO UI - Grupo Liquidificador - Espaço Cultural Renato Russo - DF



Um show de drag kings: Enzo DMX, Clint Esparradão, Walter Waleiro e Little Big. Quatro atrizes se revezando em 27 personagens, para nos contar a parábola teatral escrita por Brecht em 1941. A ascensão violenta, ditatorial e sangrenta de um gangster que veio do nada para tomar o poder em meio a uma crise. Essa estória poderia ser sobre gangs de Chicago, mas poderia também ser de um miliciano brasileiro, de um juiz ladrão, de Hitler ou qualquer outro projeto de ditadura. Gente que cresce em meio à crise jurando combater a corrupção.

O grupo liquidificador, com sua raiz performática, apresenta sua crítica política ácida e divertida sobre os tempos que estamos vivendo neste país, possibilitando refletir sobre os temas mais atuais e urgentes.



A subversão do patriarcado pelas atrizes nos faz pensar como são importantes a emancipação feminina, o respeito e a liberdade.



O cenário composto apenas por sacos de lixo e placas penduradas com nomes nos permite visualizar a cidade de Chicago e nos sentir dentro das cenas, em um exercício que representa um teatro verdadeiro no qual a criatividade tem preponderância sobre o dinheiro.



O que parece inicialmente ser uma grande brincadeira animada e pueril vai se transformando em uma peça com camadas e mais camadas de jogos teatrais e interpretações profissionais das atrizes, maravilhosxs Drag Kings, que nos fazem refletir e questionar, ter medo e lamentar, mas também buscar algo maior, lutar.



Destaque para o ímpeto da juventude das atrizes, levando a crer que o futuro do nosso teatro vai muito bem obrigado: Ana Quintas (Enzo DMX) com sua vitalidade e espontaneidade mostra que a força do palco vem do amor ao teatro. Fernanda Alpino (Clint Esparradão) estrela o gangster Arturo Ui com mãos de ferro, impondo toda a canalhice, covardia e estupidez dos vilões da vida real. Larissa Souza (Walter Waleiro) dá um show de versatilidade, indo personagens com estilos antagônicos de um segundo a outro com uma mudança sútil de expressão corporal. Nininha Albuquerque (Little Big) me deixou muito incomodado com a maldade de seu personagem principal, um capataz de Arturo Ui que segue ordens com perversidade. A Participação especial de Adriana Lodi é literalmente uma aula de interpretação, como um professor de teatro, tentando ensinar Arturo Ui.

Parabéns ao Espaço Cultural Renato Russo, por ser um dos templos de resistência do teatro candango neste tempo de milicianos, Chicago boys e censura. A arte sempre vai vencer!

Fotos de Nina Quintana