sexta-feira, 30 de abril de 2021

Terra Plana, uma distopia virtual – Casa Ferreiro Companhia de Teatro – Dramaturgia, Direção Geral e Edição: Bruno Estrela (Brasília) – Transmitido em 30/04/2021 (Ao Vivo)

“Deus te ama e tem algo reservado para você”, com este breve recado se inicia o experimento cênico Terra Plana, uma distopia virtual, que transita pelo teatro, pelo cinema, pela interatividade e, principalmente, pela estranha realidade contemporânea, que a cada dia bate mais forte na nossa porta, ou melhor, na nossa cara.

Você está preparado para viver sob as regras vigilantes de um Estado terraplanista, autoritário, heteronormativo, negacionista, onipresente, com poucas distrações, sem arte, cinza, mas com deus acima de todos?

Bem-vindos, neste espetáculo você poderá desfrutar do prazer de ser um cidadão de bem, bem escroto, bem idiota, apoiador do regime, que decidirá o destino de seres miseráveis, condenados pelos mais diversos motivos.

Como é engraçado viver um lugar tão divertido, onde execuções são comemoradas em programas de TV e podemos rir sem reservas, sem receio do politicamente correto daqueles esquerdistas de tempos de outrora, hoje mera resistência ao poder constituído na Terra Plana, onde se julgam os destinos, sem qualquer proporcionalidade, ampla defesa e contraditório, onde provas são apenas obstáculos desnecessários para prender os indesejáveis e qualquer acusação de racismo, violência contra a mulher, homofobia, transfobia entre outras não passa de puro mimimi.

Terra Plana, uma distopia virtual é uma bela crítica social interativa, que quebra a quarta parede virtual, nos trazendo um incômodo, uma certa vergonha, testando o que nos resta de humanidade e empatia.

Com referências a “Fahrenheit 451” (saiba mais) e “1984” (saiba mais), o espetáculo, que foi idealizado antes da pandemia e teve que se reinventar para o mundo virtual, consegue prender o espectador do início ao fim, fazendo-o se sentir no lugar das personagens e, também, do público do insano reality show, que traz a redenção de um dos condenados, uma mostra da nossa sociedade do confronto, na qual tudo se torna uma disputa.

As atuações foram firmes e seguras, com brilho em muitos momentos, bastante convincentes, causando no público uma mistura de sensações, entre elas, compaixão, raiva, nojo, empatia, como se pode perceber no bate-papo ao final da apresentação, um trabalho forte com um resultado interessante.

Tecnicamente, o experimento está muito bem montado e adaptado para o mundo virtual, neste momento tão difícil para os artistas. A direção e a edição dos vídeos estão excelentes, não havendo em nenhum momento falhas que deixem o público na dúvida daquele pequeno recorte da realidade ou que o façam deixar de perquirir o que estão vivenciando. Tomara que em breve possamos assistir essa peça em um palco, com ar do teatro, com a luz cênica, com toda aquela atmosfera magnífica.


Ficha técnica e ingressos: clique aqui 

Fotos: Casa de Ferreiro

Por fim, como não se emocionar com a homenagem a eterna e saudosa Marizilda Dias Rosa, falecida em abril/2021, vítima do genocídio que estamos presenciando todos os dias, artista parceira da Companhia, uma atriz incrível e inesquecível, o sorriso mais lindo que já se viu e a pessoa que deixava qualquer um que convivesse com ela com a alma leve depois de uma simples conversa, uma das pessoas mais especiais que tive a honra, a sorte, a alegria e o orgulho de ter sido amigo.

 


Viva a Arte!

Viva a Diversidade!

Viva o Estado Laico!

Viva o Teatro!

Viva a Poesia!

  

Tempo do óbvio

 (https://poesiasentipensante.blogspot.com/2021/02/tempo-do-obvio.html)

Hoje é tempo de discutir o óbvio

É tempo de defender a compaixão, a empatia, a equidade

É tempo de defender a cultura, a educação, a saúde

 

Hoje é tempo de discutir o óbvio

É tempo de defender que não é mais possível viver olhando só para si

É tempo de defender que os direitos humanos não são apenas para alguns humanos

 

Hoje é tempo de discutir o óbvio

É tempo de defender que um futuro só é possível, olhando o passado

É tempo de defender que um futuro só é possível, corrigindo o presente

 

Tudo isso é óbvio?

 

Rodrigo Ferret – 22/06/2020