sábado, 13 de setembro de 2014

Misanthrofreak - Teatro Sesc Taguatinga - DF

Isso é Teatro?



Que peça mais estranha...era isso que martelava na minha cabeça ao sair do teatro. Isso e uma música do Bee Gees, que insistia em não sair dos meus ouvidos. Misanthrofreak é uma daquelas peças que o espectador leigo, porém curioso, começa a entender depois que ela termina, tamanha a sensação de estranhamento que causa. Não há muito sentido coerente em seu desenrolar, é um quebra cabeça que depende de boa vontade do espectador, mas quando extraída nela o que há de melhor, transforma-se em arte de primeira qualidade. Rodrigo Fischer encarna a solitária personagem, que tenta o tempo inteiro dialogar com o público, apresentar algo, mas nunca consegue chegar ao seu objetivo, tenta de todas as formas, chegando ao seu limite de angústia em vários momentos. Uma eterna reflexão sobre fracasso, a tentativa e erro, a solidão. Um mundo cinza, desencantado, que só é amenizado pelo uso da tecnologia presente na cena (que paradoxalmente amplifica a sensação de solidão) e pelo contato com público.

Comecei a entender melhor o que tinha presenciado, após pesquisar sobre a peça e descobrir que era inspirada na obra “O inominável” de Samuel Beckett, dramaturgo que apenas tive contato superficial com “Esperando Godot”. Li alguns artigos. Me chamou a atenção que em sua dramaturgia tudo termina e recomeça novamente. Uma estrutura cíclica e sem fim, da mesma forma que a personagem tenta se expressar e nunca consegue. Sempre o tempo estando presente, sempre o estado de espera falando mais alto, a contagem regressiva projetada em cena. Uma estética do precário. A personagem em cena, como as de Beckett, um ser despedaçado que aceita seu estado de ser transitório e estático. A lógica becketiniana subvertendo e diluindo os valores cristalizados do teatro tradicional, mostrando uma visão desencantada e pessimista sobre o mundo caótico e incompreensível, provocando estranhamento, um riso incômodo e sufocado, nos tornando parte daquela humanidade fracassada apresentada no palco.



Atravessamos a peça na expectativa de uma descompressão que não vem. Estava ai a chave para curtir e saborear o que havia de melhor da peça, perceber as intenções de Beckett e saber que como é complexa e fascinante sua dramaturgia, muito bem representada em Misanthrofreak. Peça que me apresentou a este universo e me fez aumentar o meu interesse sobre o genial dramaturgo. O maior legado desta peça é despertar o interesse neste tipo de dramaturgia através do estranhamento.

Presenciei uma interessante interação entre o Teatro, Cinema e Música, muito bem executada no palco, de forma orgânica, dentro da proposta da peça, realizada por meio da tecnologia manipulada pelo ator em cena. Diversas referências e homenagens a clássicos da 7ª arte e da música, trazendo nostalgia e uma dose de melancolia. Momentos de tênue e passageira felicidade como por exemplo a quebra da quarta parede com o público acolhe o ator, cantando com ele a bela e triste “I start a joke”, a música que não sai da cabeça, que tem muito a ver com este universo cíclico e sem fim.



No final, algo projetado em uma tela, soa como reflexão: Isso não é Teatro! Misanthrofreak é o Antiteatro, que de forma inteligente zomba das certezas e convenções.

Sim! Isso é Teatro. Teatro de alto nível. Bem elaborado, feito com um visível cuidado e muito trabalho físico e mental.



Obrigado por me apresentarem ao fascinante e perigoso mundo de Beckett. 

Teatro Paulo Autran - Sesc Taguatinga/DF – Brasil Dia: 13/09/2014 – Única apresentação 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Édipo - Companhia do Chapitô - Portugal - Caixa Cultural Brasília - DF

Local: Caixa Cultural Brasília – Brasília/DF - Brasil
Dia: 12/09/2014



Os Três de Tebas

Um grupo de Teatro Além Mar, uma oportunidade única de assistir a uma montagem europeia. Uma curiosidade quase infantil de observar atores atuando com sotaque luso. No  imaginário de um brasileiro seria algo, no mínimo engraçado, estranho. Antes de assistir qualquer peça, por opção, não leio nada sobre ela, nem procuro  conhecer o grupo. Gosto de me surpreender. 



Em Édipo, somada a grande curiosidade em  relação ao Teatro Português, minha expectativa era apenas assistir uma boa peça. A peça conta a clássica tragédia grega “Édipo o Rei”, de Sófocles. O Teatro grego, base  das Artes Cênicas, em sua origem contava com um elenco enorme, com cenários múltiplos e  gigantescos. Sabia que não seria uma peça suntuosa (nem gosto), mas quando cheguei ao espaço  cênico não havia cenário, apenas a caixa cênica com as três paredes cobertas de cortinas negras. 



Ao iniciar a peça, somos atraídos ao jeito próprio Chapitô de encenar um clássico. Em  poucos minutos me esqueço do sotaque, das palavras diferentes. A peça atrai de uma forma tão  interessante que, convidado, o espectador se entrega totalmente.  Apenas três atores (Jorge Cruz, Marta Cerqueira e Tiago Viegas), todo universo de  Édipo o Rei contido nas vozes e nos corpos deles. Tudo isso sem simplificação, sem economia.  A multiplicação dos atores através de diversos exercícios cênicos do mais alto nível técnico e  artístico. A criatividade sem fim da Companhia. 



Neste contexto, sentado da poltrona fui à Tebas, à Corinto, vi o oráculo de Delfos, vi um  bebê nascer por parto normal, ter seus pés amarrados, quebrados, levado ao cume da montanha,  vi pastores, reis, rainhas, a Esfinge com seu enigma indecifrável, vi um homem matar quatro  cavaleiros, vi cavalos. Todas as personagens que compõe o clássico estavam lá. Vi até ventar. Vi uma ovelha comer capim. Até o numeroso coro grego estava lá. O Édipo de Chapitô é o mais humano de todos os heróis. Um verdadeiro anti-herói, feito da mesma medida que nós, pessoas, somos. Ri bastante, me emocionei, refleti, desafiei a esfinge...viva o Rico Teatro Pobre idealizado por Grotowski, onde o menos é muito mais, mais do que se pode imaginar. Aqueles  70 minutos de atuação em palco vazio me dá a certeza que nenhuma tecnologia se compara com  a arte pura e simples em sua essência, que nenhum efeito especial de um filme ou TV se  compara com a magia do Teatro. 



O que presenciei foi algo que jamais esquecerei. Posso falar,  sem medo de errar, que Édipo, da Companhia Chapitô, foi uma das melhores e mais perfeitas  peças que já assisti. 

De arrepiar, literalmente.