sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A Elegância do Ouriço – Bruno Estrela/Casa de Ferreiro Companhia de Teatro (Brasília) – Transmitido em 16 e 17/10/2020 (Ao Vivo)

 

Link do ingresso: clique aqui             

          A experiência cênica solo, apresentada por Bruno Estrela e dirigida por Sílvia Viana, propõe ao espectador ficar cara a cara, ou melhor, tela a tela, com uma pessoa que ama as artes e que se recusa a repetir o destino do homem mediano, prestes a cometer um ato sem chances de retorno.

Elegância do Ouriço é uma livre adaptação baseada no livro homônimo da escritora francesa Muriel Barbery (sobre o livro). Nesse jogo, somos confrontados com reflexões que vão da falsa lucidez da maturidade à brevidade e busca do sentido da vida, onde planos se dissipam sem aviso e pessoas que perseguem estrelas em um momento estão confinadas em outro, presas em um mundo sem poesia, onde animais e objetos substituem o afeto humano, pessoas cabem em pequenos aquários e palavras tem mais valor que os atos.

Interessante e impactante a interpretação de Bruno Estrela, dando vida e energia cênica a Benjamim (baseado na personagem principal do livro), um ator desempregado, filho de pais ricos, transitando entre a loucura e a lucidez de um artista no limite de sua dramática existência. Importante mencionar que a experiência cênica consegue captar com beleza e simplicidade a essência do livro, que merece ser conferido após a assistir a primorosa apresentação.


            
           O espetáculo tem recebido excelentes elogios, o colocando em posição de destaque na cena on line nacional, sendo inclusive selecionado para o 2º Festival de Teatro de Viçosa-MG, que acontecerá de 7 a 9 de novembro/2020.  
          Parabéns à Casa de Ferreiro pela iniciativa. Em tempos de pandemia, quando nossa elegância se assemelha a de ouriços e estamos confinados em aquários, o que nos resta, e o que sempre vai restar quando tudo isso passar, é a arte.



Macacos – Clayton Nascimento/Cia do Sal (São Paulo) – Mono Festival – Transmitido em 30/08/2020 (Ao Vivo)

 

                MA CA COS!!! MA CA COS!!! MA CA COS!!!

                O eco de Clayton Nascimento, um gigante dos palcos e da vida, reverberou novamente, agora em uma caixa cênica possível dentro da pandemia, em um importante festival transmitido via Youtube, nos mostrando na adaptação da peça integral, com a mesma força de uma apresentação presencial, a face perversa do nosso país sob o olhar da negritude.


                Em tom de manifesto e desabafo, nos entrega relatos pungentes, denunciando o genocídio do povo negro em uma nação que fez a opção oficial pelo esquecimento e pela busca de uma hipócrita, falsa e conveniente paz branca, chegando ao cúmulo deixar isso registrado em seu Hino da proclamação da República (Hino), ocorrida menos de dois anos após a abolição oficial da escravidão.


                Dentre diversas passagens marcantes, choca e emociona a interpretação da Diva do Jazz Bessie Smith contando como viveu sendo chamada de violenta e agressiva por lutar pelos seus direitos e como morreu sem atendimento médico por ser negra (biografia), preconceito covarde e criminoso que vitimou, há cerca de dois anos, o próprio autor e protagonista da peça em (relato).

                A peça traz questões históricas como o branqueamento artificial de Machado de Assis, os 388 anos de escravidão oficial e suas consequências até o momento insuperáveis, bem como nos mostra a realidade atual da Segurança Pública, criada no Rio de Janeiro em 1808 para proteger a corte (saiba mais) e que perpetua as desigualdades e o preconceito com violência e opressão, matando dentro de casa, de forma covarde, proibindo crianças negras de sonhar, tornando o extermínio do Povo Negro uma política institucional.


Além das questões de violência explícita, a peça traz reflexão sobre as leis de educação no Brasil, que não permitiam que o povo estudasse. Importante, também, refletir sobre a representatividade da cultura negra, que precisa ser objeto de estudo nas escolas fundamentais em uma luta contra o eurocentrismo até hoje vigente.

                Fica evidente que precisamos contar nossa história de forma digna, diversa e plural , resgatando personagens importantes e “esquecidos” por terem lutado contra o sistema vigente, como Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar (biografia) e João Cândido, o Almirante Negro (biografia). Também precisamos saber que chicoteavam pessoas por diversão em praças públicas e que temos o dever de mostrar que diversos patronos de instituições atuais eram racistas genocidas declarados, como Paulo Fernandes Viana (patrono da Polícia) e Duque de Caixas (patrono do Exército).         

                O teatro como arma assusta e afronta a elite quando encanta e alimenta o povo de conhecimento. E como é bom saber que existem atores como Clayton Nascimento, que me faz lembrar Abdias Nascimento, autor do clássico O Genocídio do Negro Brasileiro (sobre o livro), sempre deixando o público perplexo e hipnotizado com sua interpretação visceral e intensa.


                A peça se encerra com o relato da mãe do menino Eduardo de Jesus, morto pela PM-RJ enquanto brincava em casa (reportagem), Senhora Terezinha Maria de Jesus, que até hoje luta por justiça contra os assassinos de seu filho.

                

                E eu encerro o texto com dois poemas, um com um assunto que precisamos lutar para mudar e com outro que precisamos sempre buscar. A Paz e a História não podem ser apenas brancas.

 

Os alvos

 

Os alvos não são alvos, sendo alvos ou não.

Os alvos da polícia não são alvos, sendo alvos ou não.

Os alvos da polícia não são alvos quanto ao tom de pele, sendo alvos ou não.

Os alvos da polícia não são alvos quanto ao tom de pele, sendo alvos ou não quanto as atitudes e comportamento.

 

Alvo tem diversos significados, mas insistem que ele seja um só.

 

Rodrigo Ferret – 22/06/2020

                 


Djanira

 

Retiraram do salão teus nobres Orixás

Os exilaram no porão

Teu quadro virou reserva técnica

Arquivado

 

Sua poesia em tinta

Teu modernismo transcendente

Não faz diferença aos indiferentes

Enquadrados

 

Os Orixás

As religiões de matrizes africanas

Perseguidos pela pequenez da casa grande

Limitada

 

Tudo isso vai passar

Teu quadro rodar em exposições pelo país

A cultura africana estudada e respeitada

Honrados

 

Rodrigo Ferret – 03/09/2020