sexta-feira, 15 de abril de 2022

PinóQuio – Cia PeQuod (Rio de Janeiro/RJ) – CCBB Brasília/DF - Em cartaz em Brasília até 1°/05/2022

    

    Uma obra de arte!

   O texto começa assim, não teria como não começar, com um espetáculo tão bem trabalhado, com engrenagens complexas e múltiplas clamadas, para contar de uma forma bela e inusitada, uma opereta com canto lírico e canto falado, a história escrita por Carlos Collodi sobre o boneco mais famoso de todos os tempos.


    O texto de Tim Rescala, maestro ícone do teatro musical, conta a versão original do folhetim que depois virou livro, mostrando Pinóquio como foi concebido, em uma adaptação limpa e fluída. Em uma verdadeira montanha-russa de emoções, a peça não dá tempo para ninguém se entediar em seus 100 minutos de apresentação e cerca de 30 músicas.

    A peça se passa no picadeiro do Circo Collodi, em uma homenagem ao autor. O cenário é lindo, somos transportados rapidamente para a Itália do século XIX, para sermos os privilegiados espectadores das aventuras do boneco que sonha virar menino. Um visual muito rico, com figurinos impecáveis, um visagismo onde tudo conversa com tudo, não há demais nem de menos. Esta harmonia também se faz presente nas linguagens: o teatro, o circo, a ópera, os bonecos.



    A história é narrada por dois cantores líricos, a soprano Mona Vilardo e o Barítono Santiago Villaba, incríveis, com vozes de arrepiar, e acompanhada, musicada integralmente, de forma perfeita por dois músicos Tibor Fittel (teclado e acordeon) e David Ganc, Rodrigo Reveles ou Dudu Oliveira (sax e flautas). Os cantores líricos também participam das cenas como outros personagens e todos os atores também multiplicam seus personagens em cena. Todos atuam, cantam, dançam e fazem sonoplastia, tudo de forma muito orgânica e ágil. Todas as cenas são perfeitas, muitas memoráveis, como a da floresta, quando Pinóquio se perde e a da baleia, quando reencontra seu criador.


    O trabalho de Lilian Xavier dando vida a Pinóquio é sensacional. Em cada movimento, em cada fala, nota-se um magnífico trabalho de corpo e de construção da personagem, plasticamente perfeita, sua interpretação é um presente ao público. Márcio Nascimento, um mestre do teatro de bonecos, no papel de Geppetto, abraça o público como um pai, com uma interpretação cativante. O Grilo falante, interpretado por Marise Nogueira, sempre a advertir e tentando mostrar o melhor caminho, também tem destaque na peça, com suas intervenções que sempre nos fazem pensar e sua linda voz, o inseto, eu interno de Pinóquio materializado no palco. A Raposa e o Gato, Maria Adélia e João Lucas Romero, os gatunos espertalhões que tripudiam da inocência de Pinóquio, trazem diversão e irreverência, com atuações também de alto nível.



    A direção de Miguel Vellinho, idealizador do espetáculo, é impressionante, um verdadeiro relógio, onde cada engrenagem funciona, uma construção cênica que se completa com a música do parceiro Tim Rescala, fruto de longos estudos durante a pandemia, muito sonho, muita pesquisa, muita experiência e muito trabalho, como podemos observar na entrevista à Estação Sabiá (confira).


    Do ponto de vista da reflexão, a peça aborda o desprezo pela Escola, pela Educação, pela Artes, pelos Artistas, pelos Educadores e o preconceito que trazem o obscurantismo e retrocesso que estamos vivendo nos dias de hoje. É quase inacreditável como chegamos neste ponto, como estamos atrasados tendo o Artista, como dever de ofício, tocar em questões do século XIX, questões apresentadas em clássico que tem 135 anos de idade. É mais que necessário, é urgente, romper este círculo vicioso, como também necessário e urgente reverenciar os Artistas e os Educadores, a Arte e a Educação. Outro ponto é a metáfora do crescimento contida na história, do boneco que de tanto errar se tornar humano, passando por várias fazes, madeira, boneco de madeira, jumento e, finalmente, um menino, o que nos faz pensar em um paralelo em evoluir para se tornar um cidadão, não um "cidadão de bem", mas um cidadão de verdade.


    Interessante ressaltar que o espetáculo comemora o 20° aniversário da Cia PeQuod, atualmente com 21 anos de existência, em grande estilo, com a feliz coincidência do grupo que se notabilizou pelos teatros de bonecos, estar apresentando uma peça sobre o principal boneco da História e, embora tenha boneco na peça, o trabalho é feito todo no corpo de atores, em uma bela homenagem ao Artista popular, ao Artista de Circo, aos Artistas em geral, mostrando que a Arte é Resistência!!!

    Após Rio, Belo Horizonte e, agora, Brasília, o espetáculo vai para São Paulo, em uma temporada de maio a junho/2022, pela sua magnitude e pelo tamanho do trabalho, pelo elenco, que é um acontecimento, espero que a montagem percorra outras cidades do Brasil e também participe de festivais internacionais.


    Dedico este texto ao Monstro Sagrado, Gigante, Gênio, Provocador do nosso Teatro, o Eterno Hugo Rodas, que jamais morrerá e estará sempre presente em cada pessoa que encantou e ajudou a formar, seja como artista, seja como público. Hugo não teve um velório, mas uma Festa de corpo presente, da forma como pediu, sendo celebrado. Evoé!!!

    “Teatro é mais que amor, é paixão. É necessidade. É um reflexo do seu pensamento hoje, não é coisa do passado, mas do presente. É vida, é sonho, é alimento, é alma, é silêncio... de repente você respira: isso é Teatro!” (Hugo Rodas)


    Ingressos: compre aqui

    Ficha técnica: clique aqui

    Site da Cia PeQuod: confira

    Instagram: siga aqui

    Teatrinho para baixar em casa: clique aqui

    Bastidores (reportagem do Canal Culturadoria): assista aqui

    Agradecimento: Rodrigo Machado, Território Comunicação (instagram)

    Fotos: Renato Mangolin


sexta-feira, 8 de abril de 2022

Vladimir – Iury Persan, Cutucart (DF) – CREAS da Cidade Estrutural/DF

 

       Uma joia nas mãos!

    Foi tudo que pensei quando acabei de assistir o espetáculo Vladimir, em uma quente noite de domingo, em plena Cidade Estrutural, famosa por ter crescido em torno e abrigado o maior Lixão da América Latina. A cidade fervia, ávida por cultura, que borbulhava de asfalto e gente, uma cidade viva, embora esquecida. O esquecimento e a desigualdade escancarada estavam também presentes no palco, naquele cenário, um barraco, que representava o lar de um homem solitário, com seus improvisos e reciclados, em uma vida improvisada e reciclada com poucos recursos e muitas esperanças na mudança.


    Com IURY PERSAN (atuação e dramaturgia) e ANALU RANGEL, com a direção geral de GETULIO CRUZ e direção de atores de ANA VAZ, o espetáculo é baseado na palhaçaria e no teatro gestual, com narração e sonoplastia. A personagem Vladimir é muito bem construída, em cada detalhe e trejeito, em cada movimento, em cada cena, conquistando o público rapidamente, sem falar quase nenhuma palavra. Um palhaço, caricatural, que representa muito do nosso povo, em uma realidade cada vez mais empobrecida nos últimos anos, aqueles que apesar de tudo, ainda seguem mantendo a chama da esperança, mesmo que para a grande maioria tudo não passe de mera expectativa e ilusão.


    Vladimir tem múltiplas camadas dramáticas, mesmo sem disponibilizar a informação na peça, a personagem tem o peso de um passado em seus ombros e, paradoxalmente, a leveza da simplicidade e da solidariedade. Não é fácil rir de si mesmo ou de um espelho, ainda mais em sociedade tão cruel, que às vezes só permite remendos, fazer tudo durar, esticar. A arte de sobreviver. Em meio a reviravoltas, a peça entrega ainda a doce e emocionante palhaçaria de ANALU RANGEL, na personagem da ladra que muda a vida de Vladimir, nosso herói transgressor, nosso anti herói, nós.   


    A Arte precisa chegar à periferia, por meio de equipamentos culturais, o Povo precisa se enxergar, se ver no palco, para refletir, criar um pensamento crítico. A Sala transformada em Teatro estava lotada, com pessoas da comunidade, famílias locais, artistas. É necessário gerar esta mudança, formar público, popularizar a Arte. Aos que não são da Periferia, quando tiver espetáculos lá, prestigie, compareça, avise aos amigos, seja também um agente da transformação.


    Estrear na Cidade Estrutural traz muita força para Vladimir, que certamente vai ganhar outros palcos em Brasília e, também pelo Brasil. Vladimir tem um caminho próprio e belo a percorrer.



OLÉ


Nunca deixem dizer que na periferia não tem Arte, que não se faz Arte!!!

IURY PERSAN

Instagram


    Sobre a Cutucart:

    A Cutucart se estabelece como produtora cultural, proporcionando iniciativas de entretenimento ao vivo como festivais e mostras culturais, além de estimular oficinas formativas de cunho social em regiões administrativas de Brasília. Por meio dessas atividades, visa promover eventos que fomentem o movimento artístico brasiliense, impulsionando novas criações e estimulando o fortalecimento criativo da cidade e da sua identidade cultural. Entre os eventos produzidos pela produtora, destaque para Subúrbia, Corpoesia e Teatro Estrutural.

    Saiba mais

    Instagram: clique aqui

   

    Fotos: HUMBERTO ARAÚJO (clique aqui)

    Ficha Técnica: clique aqui

domingo, 3 de abril de 2022

A Sós – Grupo Pele – Teatro dos Ventos – Águas Claras/DF

    Um casal. Um apartamento. Uma cidade ao fundo. A paixão que invade e toma conta de tudo, a admiração mútua, o tesão, os planos, rosas, cumplicidade. Um só. Uma vida e o infinito pela frente. 

    A terceira temporada de A Sós foi de bastante sucesso, com ingressos esgotados e um público apaixonado. O espetáculo intimista e com clima sensual, traz a reflexão sobre os caminhos da paixão, das aventuras e desventuras, das recompensas e riscos, das delicias e dessabores de se entregar e se tornar um só. A solitude e a solidão a dois. O paradoxo entre estar juntos e o limite de estar juntos demais. 




    Um casal. Um apartamento. Uma cidade ao fundo. A paixão ainda está presente, ainda há admiração, um certo tesão, as rosas mudaram um pouco, algum individualismo. Ainda um só. Uma vida e a areia da ampulheta pela frente.

    As coreografias, as músicas e as filmagens ao fundo contam a história do casal, que poderia ser qualquer um que está aqui lendo, da plateia ou seus vizinhos, a paixão é universal, quem não a viveu não viveu. Não se deve ter medo da morte, muito menos a morte do amor ou paixão. Viver requer entrega e coragem e a morte é sempre apenas o início de um novo ciclo. As paixões são eternas enquanto existem.



    Dois. Um apartamento. Uma cidade sépia ao fundo. A paixão virou tédio, a admiração virou lembrança, o tesão virou carinho, as rosas não estão mais rosas, invisibilidade. Dois. Duas vidas e um pequeno fim do mundo pela frente.

    Os elementos de dança e circo são bem tratados, com muito profissionalismo, com movimentos complexos e muito executados com leveza e força ao mesmo tempo. Catherine Zilá e Carlos Guerreiro, fundadores e integrantes do Grupo Pele, vem construindo uma assinatura em seus espetáculos, trabalhos bem realizados, com nítido cuidado. O cenário convida o público a adentrar na intimidade do casal, somada a uma iluminação inspirada que emoldura e completa o quadro. O grupo usa fotografias e imagens como fonte de inspiração, o vídeo que antecede o espetáculo é um convite para mergulhar de cabeça. Veja os vídeos no instagram da Cia (clique aqui).


    A Sós. 


    Fundado em 2019, o Grupo Pele é formado pelos bailarinos, acrobatas e professores Catherine Zilá e Carlos Guerreiro com enfoque principal na Dança Contemporânea e Acrobacias de Solo e Aéreas.

    O Grupo apresentou A Sós no Sesi Goiânia em 2021, que transmitiu o espetáculo em seu canal (curta aqui).

    O Teatro dos Ventos é um espaço cultural localizado no coração de Águas Claras/DF, é um centro de formação artística com cursos livres, formação de atores, com um teatro com 60 lugares e um grupo teatral (Site do Teatro dosVentos).

    Ficha técnica: clique aqui 

    Fotos: Divulgação