domingo, 20 de agosto de 2023

O Último Tango – Santiago Serrano – CCBB Brasília

Duas solidões que se unem, um sonho. Antônio e Manuel. O tempo e a arte. Os risos e as lágrimas. A ficção e a realidade. O palco e a vida.  Os aplausos e a cortina que se fecha. A cortina que está prestes a se fechar e a saída que se abre. Existir e Resistir. A dualidade, síntese da trajetória humana ao som do Tango, a música que entra na alma e desperta sentimentos e emoções. 

        Um senhor octogenário que começa a apresentar lapsos frequentes de memória, viúvo e morando sozinho, sendo visitado por filhos que estão mais preocupados com a comodidade de cuidar do que com a felicidade e autonomia de quem entendem cuidar. Um homem de meia idade que anda com a sua mala que cabe tudo de material que lhe restou, um sobrevivente que não pode parar, um artista de rua. Um encontro que mudaria para sempre as duas vidas já cansadas e com poucas perspectivas.


O espetáculo discute temas importantes como o etarismo, a homofobia, o racismo, o racismo religioso, preconceitos em suas mais variadas vertentes, de uma forma profunda e ao mesmo tempo leve, com muita emoção, mas também com bom humor, flutuando pelas questões sociais e existenciais do nosso tempo. Uma poesia sobre o hoje, sobre ser, sobre todos nós, sobre a importância da solidariedade, sobre ser humano e o inevitável, envelhecer; mas principalmente sobre manter a chama da vida acesa e buscar caminhos.

Em relação ao etarismo, a peça é uma mensagem sobre a dor dos corpos idosos que  paulatinamente vão deixando de ser tocados, a viuvez como a orfandade da maturidade, a falta de autonomia, o distanciamento dos filhos e netos, entre outras agruras; mas também sobre as possibilidades de mudar o que parece estar definido e as mudanças de perspectivas, sobre viver o quanto nos restar, mas principalmente sobre o hoje e o que significa e a importância de estar vivo.


As soluções cênicas são interessantes, entre elas a possibilidade do público vivenciar os sonhos, que se mantém vivo; alguns recursos como a repetição de cenas foi muito bem aproveitado e executado, dando ideia permanência e rotina; os recursos audiovisuais mostraram um Tango Negro e Dança Afro Contemporânea, evidenciando ainda mais a diversidade da produção.

      O cenário é intimista e convida o espectador a adentrar junto com Manoel a casa de Antônio, o viúvo, apaixonado por sua mulher Elvira, portenha, amante do Tango, executado ao vivo, em uma trilha sonora com músicas de Carlos Gardel, Astor Piazzolla, Nelson Gonçalves e pontos de Umbanda, remetendo à origem negra do Tango.


A atuação de Chico Sant´anna é memorável, um mergulho na alma da personagem, uma forma de atuar que encanta e traz o público para dentro da cena, em cada trejeito, em cada gesto, cada marcação, cada fala, um trabalho sofisticado sobre o que é ser ator, um Homem de Teatro que se entrega em cena e vive aquilo tudo, sendo visível no rosto do público tamanha luz. Jones Abreu Schneider faz o contraponto; sua personagem é o apoio de toda a história, que se funde com seu sangue nos olhos em cena, a personificação da resistência do artista e da arte, a raça, o fogo, que também nos ilumina. Uma dança. Um Tango.



A dramaturgia de Santiago Serrano é profícua e atravessa gerações, tem um estilo próprio e uma assinatura, suas personagens são sempre densas, cheias de camadas e de humanidade, suas peças sempre levam a reflexão sobre o ser humano, o que fazemos aqui e como podemos ser melhores, uma produção de textos em profusão e qualidade, que nunca se repete nem fica datado. A direção de Sérgio Maggio é orgânica e limpa, preenchendo o texto de Santiago em uma montagem linda e cuidadosa, feita com muita vontade e profissionalismo, também uma dança, Dramaturgo e Diretor, um Tango!

A importância de um abraço e de se emocionar!


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Fotos: Hugo Rila