sábado, 26 de março de 2022

Pedra (P)arida – Camila Guerra (Brasília/DF) – Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul)

    

    Um palco de guerra, devastado, sob escombros e lençóis, cama de pedra. Palco de Camila Guerra para desnudar os véus que o patriarcado impõe, tanto nas longínquas montanhas afegãs quando aqui neste país, que sofre uma epidemia de feminicídio. Ser mulher é um ato de resistência, é caminhar entre escombros de uma sociedade machista e, apesar de tudo, dar a luz à mudança.

    O espetáculo é inspirado no livro/filme Pedra da Paciência, Syngué Sabour, do escritor franco afegão Atiq Rahimi (saiba mais), mas esta é apenas uma camada, um ponto de partida, o espetáculo vai muito além, em múltiplas dimensões, reflexões e provocações, um exercício de ancestralidade.





    De uma beleza ímpar, em um cenário grandioso e inóspito, o primeiro ato da peça lembra uma gestação, no seu ritmo e não do público, que precisa ter paciência para entender o que está por vir e curtir cada detalhe, é a mulher prestes a parir um novo mundo, ainda em terreno árido, com muita poeira, sobrevivendo, mantendo, a dignidade, lutando e construindo um caminho, que vai desaguando, em busca da libertação, da catarse e da emancipação feminina.




    Pouco antes de parir, um furacão entra em cena, faca na boca, sangue nos olhos, performática, indomável, visceral, provocadora, a que jamais vai ser caça, mesmo que ame e se permita. As coisas mudam, tomem seus lugares, degolem suas culpas, a luta contra opressão toma força, mas a luta não tem volta, segue seu caminho, vai nascer, nada será em vão.


    Um dia chega-se ao oásis, ao verde, às águas, a poeira se esvai, plantas, cadeiras, lembranças da vovó, que também lutou sua luta, conquistou, plantou a sua semente, para que as outras gerações de mulheres pudessem viver com mais dignidade e entender que a luta contra o patriarcado é árdua e contínua, e mesmo que seja utópica, é o que faz caminhar, mesmo que um dia tudo tenha um fim, como a peça, que deságua em aplausos que insistem em não terminar.



    A direção de Édi Oliveira é bem orgânica, sem espaço para falhas ou equívocos, fruto de um longo processo, dando fluidez a peça que necessita desaguar. A iluminação funciona muito bem e a a trilha sonora acompanha a peça, ambientando cada detalhe. Cabendo ressaltar que a equipe da peça composta por 23 pessoas, entre elas, Ana Flávia Garcia e Juliana Drummond.


    O que fica é um espetáculo grandioso, que precisa ser montado presencialmente em outras oportunidades, um verdadeiro rito de passagem de uma grande atriz, que mostra ao público toda sua versatilidade, maturidade, força, entrega e coragem. Algo além.

    O lugar de fala é das delas, mas todos precisamos estar juntos, ajudando a parir a mudança, a gerar um novo mundo desse que está aí, com milênios de opressão e violência de gênero.


    

 Registro a presença luxuosa na estreia do mestre Hugo Rodas.

    O espetáculo ficará disponível via YouTube, no canal Pedra(p)Arida , de 21/04 a 06/05/2022 (assista)

  O blog registrou outras peças da Camila Guerra, uma delas está sendo apresentada em Madrid, enquanto escrevia, o que é de uma imensa alegria, Depois do Silêncio (clique aqui).


    Ficha técnica: clique aqui

    Fotos: Diego Bresani (instagram)

sexta-feira, 18 de março de 2022

2º GUIRII – Festival Amazônico de Contação de História – 18 a 22/03/2022

      

        Abro espaço para divulgar a segunda edição do GUIRII, Festival Amazônico que acontecerá online com a exibição de contações de histórias para o público infantil.

        O festival é promovido pela Fada Inad Produtora Cultural e tem como principal objetivo a exibição de contação de histórias para o público infantil. O evento que inicia no dia 18 deste mês (sexta-feira) segue até o dia 22 (terça-feira) com apresentações de 25 vídeos de contação de histórias. O Festival será transmitido ao vivo, através do Youtube, no canal da Fada Inad (youtube.com/fadainad) a partir das 20 horas, horário de Brasília.  O segundo GUIRII contará com intérprete de libras.

        A segunda edição do GUIRII abordará temas cuja a intenção é promover a inclusão, a preservação de recursos naturais, consumo sustentável, o respeito à diversidade identitária, o acesso ao pluralismo cultural e o contato com a ludicidade.

CONFIRA A PROGRAMAÇÃO DO EVENTO ACESSANDO O LINK: https://contacaodehistoria.com.br/guiriifestival-programacao/

    O evento contará com mesa-redonda, cujo tema abordado será sobre “O que é Contação de História?”, com Lucia Morais Tucuju, Daniel Munduruku e Ester Sá. Profissionais renomados, com vasto conhecimento na literatura infantil e responsáveis por grandes projetos culturais desenvolvidos pelo país afora. O evento contará com entrevistas, além de palestras e oficinas. A mesa-redonda acontecerá no dia 19 a partir das 17 horas (horário de Brasília). “Participar do Festival é um prazer, alegria e honra. Desde o primeiro ano tive o desejo de participar, mas perdi. E estar nesse ano me faz feliz em estar junto com tantos artistas maravilhosos. Muito bom ser valorizado” declarou Lucia Morais Tucuju, especialista em literatura infantil e juvenil e pesquisadora da Cultura/Literatura Indígena.

Conheça mais sobre o trabalho de Lucia Morais Tucuju:

https://criticaemcenarodrigoferret.blogspot.com/2022/02/tucuma-lucia-morais-tucuju.html

 https://www.livrariamaraca.com.br/produto/tucuma-lucia-morais-tucuju/ 


https://criticaemcenarodrigoferret.blogspot.com/2019/12/arandu-lendas-amazonicas-ccbb-df.html


    Participação no festival:

    No total, 340 artistas se inscreveram. A segunda edição do GUIRII teve a participação de artistas dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, sendo 19 artistas inscritos no Estado de Rondônia, um artista no Estado do Acre, 10 artistas no Amazonas, 14 artistas no Pará, dois artistas em Tocantins, dois artistas no Amapá, três artistas no Maranhão, três artistas no Piauí, 23 artistas no Ceará, sete artistas no Rio Grande do Norte, 10 artistas na Paraíba, nove artistas no Pernambuco, dois artistas em Alagoas, um artista de Sergipe, 13 artistas na Bahia, 18 artistas em Minas gerais, um artista no Estado do Espírito Santo, 41 artistas no Rio de Janeiro, 78 artistas em São Paulo, 21 artistas no Paraná, 10 artistas em Santa Catarina, 21 artistas no Grande do Sul, quatro artistas no Mato Grosso do Sul, cinco artistas em Goiás, 11 artistas no Distrito Federal e 11 artistas em mato Grosso.


Participe, faça parte, prestigie nossa cultura, prestigie os povos originários!!!


Histórias para se alimentar 

Como não lembrar,

da indígena contando histórias com seu maracá

Aquele chocalhar que nos mexe por dentro e nos faz entrar nas lendas,

nos livros, no que está a contar

Arandu, Tucumã,

sabedoria e alimento popular

Materializados em peça, livro

Ancestralidade e infinito particular

(Rodrigo Ferret)


sábado, 12 de março de 2022

O Beijo no Asfalto – Coletivo Coletivo (Brasília/DF) – CCBB Brasília – Em cartaz até 27/03/2022 (Presencial)


    Teatro com lotação esgotada, um morto na ribalta, a voz de Nelson Rodrigues ecoando. Década de 60, 2022, e o que está por vir mostra que a essência humana, para o bem e para o mal, relatada na sua dramaturgia, permanece.


    Beijo no Asfalto conta a vida de uma pessoa comum, Arandir, um trabalhador, casado com Selminha há cerca de um ano, que entra em uma inevitável e fulminante espiral, após ter uma atitude nobre, de compaixão e misericórdia: atender o último desejo de um desconhecido moribundo, vítima de um atropelamento. 

    O espetáculo trata das consequências da realidade pós verdade, de como as versões de uma história podem ser nefastas, a hipocrisia da sociedade, as fakenews, que tanto destroem para sempre, ou por muito tempo, reputações, como podem elevar seres medíocres e oportunistas a lugares e posições que jamais mereciam estar.

 “Por que existem tantos olhos no mundo?” Nelson Rodrigues

    A montagem faz algumas atualizações e adaptações que funcionam muito bem, como a utilização de uma delegada para a personagem Cunha, a forma de atuação e figurino do repórter Amado Ribeiro, a troca da irmã mais nova de Selminha por um irmão gêmeo. Com certa intensidade, a peça se desenrola em uma crescente interessante até o final emocionante e surpreendente, com algumas atuações que se destacam, como as interpretações de Selminha, esposa de Arandir, seu irmão e seu pai Aprígio.

   “A dúvida é autora das insônias mais cruéis.” Nelson Rodrigues

    As soluções cênicas são bem construídas. Em que pese a utilização de cadeiras perfiladas para formar o cenário, que geram o risco de perda da dinâmica das cenas, algo que foi bem contornado pelas atuações e pela direção, compensado pelo efeito da tela dividindo o palco, criando um cenário às vezes paralelo e às vezes complementar ao principal, o que teve impacto muito positivo no desenrolar da apresentação. O fundo do cenário também acrescentou bastante, estampando o sensacionalismo que destrói e faz sangrar. O enterro ao fundo e o morto passando na frente do palco também ajudam a trazer o clima do autor.

    Por fim, o que fica da apresentação é uma montagem cuidadosa e bem dirigida por Fernando Guimarães, possibilitando ao público sentir e viver o universo do autor, embora tenha alguns pontos a melhorar, como a segurança de alguns atores nas cenas iniciais, algo que foi se diluindo ao longo da peça e deve se resolver no desenrolar da temporada. 

    Ficha técnica: clique aqui

    Fotos: Divulgação.


    Registro com pesar, neste texto, o falecimento de Isa Schmidt Bravo, 36 anos, promissora atriz do nosso teatro, muito talento, força e luz, dona de um sorriso cativante. Triste demais a sua partida tão precoce.



terça-feira, 1 de março de 2022

Os Sete Pecados Capitais – Grupo Pele – Teatro dos Ventos – Águas Claras/DF

 

Resultado da Turma de Montagem de Dança Contemporânea, com aulas de Carlos Guerreiro e Catherine Zilá, integrantes do Grupo Pele, o espetáculo trata de um assunto tão antigo quando o mundo eurocêntrico.


Em um clima sombrio, com aroma de incenso e figurinos inspirados na arte do Shibari (saiba mais), somos apresentados a História da Culpa, a História do controle das mentes e dos corpos, a História dos Sete Pecados Capitais (saiba mais).


As coreografias foram criadas pelos alunos bailarinos que as desenvolveram de acordo com o pecado que escolheram, as cenas de dança contemporânea acompanhadas por textos interessantes do diretor Carlos Guerreiro foram realizadas com movimentos marcantes e bem executados, dentro dos limites e objetivos de cada aluno, metamorfoseados com vídeos inspirados em artrópodes, insetos e até na saudosa Betty Boop.


Com participação de Catherine Zilá (Gula), os alunos Isabela Tanizaki (Luxúria), Luísa Delanne (Preguiça), Luíza Caldas (Inveja), Maria Clara Farias (Vaidade), Maria Gabriela Gomes (Soberba) e Romário Gonçalves (Avareza) conseguiram mostrar ao público um espetáculo belo com bastante qualidade, em uma montagem de curso bem cuidada. Uma noite interessante, rica em detalhes e entrega dos bailarinos, um momento singular de reflexão de como a culpa pode não ser sua, mas algo imposto ao longo dos séculos a você, que ao longo da vida se preocupou tanto em não pecar que acabou muitas vezes se esquecendo das virtudes.



De joelhos no confessionário, um arrependido admitiu que era culpado de avareza, gula, luxúria, preguiça, inveja, soberba e ira: Jamais me confessei. Eu não queria que vocês, os senhores padres, gozassem mais que eu com meus pecados, e por avareza os guardei para mim.

Gula? Desde a primeira vez que a vi, confesso que o canibalismo não me pareceu tão mau assim.

É luxúria isso de entrar em alguém e perder-se lá dentro e nunca mais sair?

Aquela mulher era a única coisa no mundo que não me dava preguiça.

Eu sentia inveja. Inveja de mim. Confesso.

E confesso que depois cometi a soberba de acreditar que ela era eu.

E quis romper esse espelho, louco de ira, quando não me vi.

Os sete pecados capitais - Eduardo Galeano no livro Bocas do Tempo



Fundado em 2019, o Grupo Pele é formado pelos bailarinos, acrobatas e professores Catherine Zilá e Carlos Guerreiro com enfoque principal na Dança Contemporânea e Acrobacias de Solo e Áreas (instagram).

O Teatro dos Ventos é um espaço cultural localizado no coração de Águas Claras/DF que é um centro de formação artística com cursos livres, formação de atores, com um teatro com 60 lugares e grupo teatral (site)

A pandemia não acabou, mas a Arte, apesar de todas as perseguições que vem sofrendo segue viva, pulsante, graças aos Artistas e profissionais da Cultura, que são gigantes, e ao público, que mais do que nunca, precisa lutar e exigir que a Cultura continue a existir.

Ficha técnica: clique aqui

Agradecimentos: Ferdi e Catherine Zilá.