segunda-feira, 29 de setembro de 2025

O Bem-Amado, com Diogo Vilela e Grande Elenco

    Odorico Paraguaçu vive. Periculosamente vivo. A farsa engraçada e divertida escrita por Dias Gomes em 1962, apresentada aqui na íntegra, com cada preciosismo verborrágico de seu protagonista em seus neologismos e arcaísmos, soa como uma lupa do nosso eterno picadeiro político temperada; uma estranha sensação de reconhecimento para todos e certa nostalgia para alguns. Uma peça que tem mais de 60 anos pratrasmente e continua atual, agoramente, um clássico da nossa dramaturgia, apresentado como novela e em diversas montagens teatrais.

    Estamos diante da saga do prefeito que, eleito sob a promessa de construir o cemitério local, precisa desesperadamente de um defunto para inaugurar sua grande obra, acabando de vez com defuntice compulsória. E nessa busca macabra revelam-se as engrenagens do poder: a  demagogia, a hipocrisia e o oportunismo.  Apesar de distantes no tempo e espaço, há um paralelo perceptível entre o texto de Dias Gomes e o Teatro Russo, mormentemente  de Gogol e Tchekhov: a crítica social que satiriza a corrupção e a burocracia; o retrato de uma sociedade provinciana usado para refletir questões sociais e humanas mais amplas; a hipocrisia das classes mais abastadas, que precisam  manter as falsas promessas e aparências. 


    O elenco jenipapista estrelado vive em cena a alma de Sucupira com muito entusiasmo e força. Como nosso prefeito, Diogo Vilela, com uma presença de palco que magnetiza: o peito estufado, a mão que abençoa e apunhala e a voz que transforma a mentira em poesia cívica; Não-obstantemente, um ator que sempre teve o Teatro como o pilar principal do seu ofício e um protagonista deverasmente generoso com os colegas, sendo nítida a sua energia e dinamismo em cena, bem como seu tempo para o drama e para a comédia. 


    Orbitando Odorico, as Irmãs Cajazeiras, interpretadas por atrizes com carreiras sólidas no Teatro (Cris Mayrink, Rose Abdallah e Renata Castro Barbosa), a trindade das beatas, com seus desejos quase reprimidos, fofocas venenosas, afagos e influência no jogo do poder; Dirceu Borboleta, interpretado desconstrangidamente por Tadeu Melo com um lirismo desajustado, o secretário gago, cujo amor paradoxal serve de escada para o absurdo; o lendário Zeca Diabo, interpretado por Chris Penna que busca o equilíbrio entre a brutalidade e a ingenuidade do matador; o coveiro Chico Moleza, estrelado pelo hilário Ataíde Arcoverde, ator que ecoa na nossa memória, a personificação da espera, o funcionário público de uma obra inútil,  cujo lamento é o contraponto hilário ao otimismo delirante de Odorico. Completando a cena, o experiente Luiz Furlanetto (tio das Irmãs Cajazeiras, Hilário Cajazeiras);  Gabriel Albuquerque (Neco Pedreira, dono da Trombeta, o jornal da cidade, o marronzista) ; Lucas Figueiredo (Ernesto) Alê Negão (Demerval); Ezequiel Vasconcelos (Mestre Ambrósio); Rollo (Zelão) ; e Marco Áureo (Vigário). 


    O espetáculo é conduzido pela direção segura e certeira de Marcus Alvisi, que aproveita do texto na íntegra para extrair ao máximo o trabalho de ator e manter uma equipe coesa e que está feliz em estar no palco, o que é perceptível em cena. A parte técnica é muito competente, sem deceptude : A iluminação de Daniela Sanchez cria auras de santidade não tão santas e recorta na penumbra os conchavos, conduzindo nosso olhar; a direção cuidadosa de movimento de Juliana Medella acrescenta à obra  dinamismo; o cenário (Ronald Teixeira e Pedro Stamford) é grandioso e funcional, mostrando Sucupira em diversos elementos, que vão do mangue ao gabinete da Prefeitura, marcados pelo ótimo trabalho de visagismo (Mona Magalhães); e o figurino (também de Ronald Teixeira e Pedro Stamford) veste com esmero, em mínimos detalhes. 


    E, ademaismente, quando o destino se cumpre de forma épica e funestamente irônica, se registra o testamento de um Brasil que se devora. Um nome para sempre gravado nos anais e menstruais da história de Sucupira. O Grande, o Pacificador, o Desbravador, o Honesto, o Bravo, o Leal, o Magnífico, o Bem-Amado! E nos considerandos, sem-vergonhismo, um público bestificado com a sagração do herói!


    Instagram da peça

    Fotos: divulgação

    Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)


Instagram do blog Crítica em Cena por Rodrigo Ferret. Acompanhe para ver a agenda cultural atualizada do Distrito Federal e textos sobre as peças.





sábado, 27 de setembro de 2025

O Arco-íris no Concreto, de Sérgio Maggio

    Conic. Década de 70. Capital Federal. Cidade cinza. Chumbo. Em um subsolo um feixe de luz encandeia o Poder. Um Portal. Um respiro colorido costurado com paetês e temperado com purpurina. Corpos e mentes livres, sendo naturalmente o que querem ser. Trabalho e resistência, onde toda uma comunidade vivia seu sonho, na icônica boate New Aquarius, primeira boate LGBTQIA+  de Brasília, quando o termo sequer existia e os direitos era negados.

    Sérgio Maggio escava a memória de Brasília para nos apresentar sua alma subterrânea tendo como pano de fundo o encerramento das atividades do local e a busca de Martina, filha de dois frequentadores. Um belo trabalho de pesquisa que além de histórias é uma colcha de afetos e proteção, em uma rica dramaturgia baseada a intimidade de quem viveu aquelas noites; um mosaico de memórias com recortes visuais e sonoros. Um trabalho denso que abre espaço ao lúdico e à comédia, fazendo que a peça transcorra sem que se perceba que o tempo passe, ao mesmo tempo que diverte e emociona.

    A direção de Sérgio Maggio é ousada, afetiva e técnica, aplicando conceitos do audiovisual ao palco, tratando a memória como se estivesse sendo editada ao vivo. Surgem flashbacks com sutis diferenças de perspectiva, com novos detalhes. O afeto da direção transborda no comprometimento do elenco composto por atores-criadores, presentes em várias camadas de suas interpretações, os três muito fortes e inteiros em cena.

    Hugo Leonardo é pura potência como Mona Mone de Liz Taylor, uma entidade cênica que homenageia as lendárias Francis Taylor e Laura di Vision, representando as que vieram antes e abriram os caminhos. Em contraponto, Pedro Olivo, que também assina a maquiagem, traz a jovialidade e a feminilidade de Luna, encarnando com uma leveza que encanta e desafia o inevitável conflito de gerações de drags. Adentrando esse universo, a versatilidade de Maria Leo Araruna interpretando a jornalista Martina e a “sapatão” Help. O processo criativo se revela em sua mais bela forma na fusão do pessoal com a ficção, um momento em que depoimentos e dramaturgia se misturam e nos capturam, especialmente quando a peça tem a coragem de dar voz à "criança viada", à memória de uma identidade que floresce na infância, muitas vezes em silêncio e solidão. Interessante também o debate sobre etarismo na cena  LGBTQIA+ e os conflitos geracionais.

    A montagem é uma imersão. Os figurinos e o cenário, assinados por Jones Schneider colorem o que a cidade oficial insiste em negar; a iluminação pulsa, recortando as cenas e a trilha sonora é uma máquina do tempo, cada canção celebra a memória de uma geração que, literalmente, dançava para sobreviver. Arco-íris no Concreto é uma peça divertida, que nos faz rir, se emocionar e refletir, um grito colorido cheio de boas energias que ecoa para nos lembrar e mostrar que a memória de uma comunidade também se define pelo brilho e pela festa, armas de luta e resistência. 


    Por fim, recomendo o documentário "Um Salto Alto - A História da Arte Transformista do Distrito Federal", de LuShonda, que aborda e homenageia o Templo que inspira a peça e, principalmente, as pessoas que desbravaram os tempos de chumbo, trazendo luz.

 O arco-íris sempre vai romper o concreto, furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio, parafraseando Drummond


Fotos: divulgação


terça-feira, 23 de setembro de 2025

A Baleia – Teatro Unip

    Um oceano de dor. O retrato de um naufrágio. O sufocamento de Charlie, um homem que, ancorado em seu sofá pela culpa e pelo luto, busca um último e desesperado ato de redenção: a reconexão com a filha.

    A peça, originada da escrita visceral do dramaturgo americano Samuel D. Hunter, é um mergulho. Hunter, que partiu de experiências pessoais com o isolamento e a homofobia; ele não escreveu uma peça sobre obesidade, mas sobre a busca por honestidade, sobre a beleza que pode ser encontrada nos lugares mais inesperados e, principalmente, sobre a última chance de um homem se fazer entender antes que o mar o engula por completo.

    Preso a um corpo de quase 300 quilos, José de Abreu nos entrega uma grande atuação. Sua energia cênica não está no movimento, mas na imobilidade gritante; nos olhos, na respiração ofegante, na voz que tenta ensinar a verdade a seus alunos enquanto esconde a sua própria. A performance que transcende a maquiagem e o enchimento; o que vemos ali é a dor de Charlie, viva, pulsando em cada palavra, que nos ferem a alma.

    Sua filha Ellie (Gabriela Freire) é o contraponto brutal à imobilidade do pai. Sua raiva é um espinho, um desprezo que esconde uma imensa vulnerabilidade, despertando emoções pesadas na plateia. O embate entre os dois é o coração pulsante da peça. Mas o mini universo de Charlie não se resume a esse duelo: há o cuidado sufocante de sua amiga enfermeira (Luisa Thiré), a fé ingênua do jovem missionário (Eduardo Speroni) que busca uma alma para salvar e o passado mal resolvido com sua ex-mulher (Alice Borges). Espelhos que refletem as múltiplas facetas da vida de Charlie.

   
    A direção de Gabriel Fontes Paiva é sensível, mapeando a alma de Charlie com um cuidado que transforma o palco em um microcosmo de emoções. A montagem nos aprisiona junto ao protagonista, e essa imersão é um de seus maiores trunfos. O cenário de Bia Junqueira não é apenas um apartamento; é um personagem, um cárcere que testemunha a desintegração e a busca por graça. Cada elemento técnico, da iluminação de Maneco Quinderé, que esculpe a solidão, à trilha sonora de Federico Puppi, que se mistura silêncio, contribui para a construção de uma atmosfera muito densa.  


    Por fim, em um último suspiro, o leviatã se ergue. Aquele corpo, que era prisão, se torna, por um instante, um monumento à força do espírito humano. Um momento sublime. A cortina cai, mas a imagem permanece por muito tempo em quem mergulhou no espetáculo.


  Todos os corpos humanos sempre guardam uma alma disposta a voar.


    Fotos: divulgação

    Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Nastácia – Caixa Cultural Brasília

    Os atores como objetos na entrada e um cenário que é uma instalação artística, uma peça que se inicia antes do terceiro sinal. O público senta. Nastácia corre. Mulher objeto. E lá estamos, no jantar preparado por Nastácia (Flávia Pyramo), o enigma em forma de mulher. A beleza como chaga. Olhar de cortesã. Olhar de quem já sofreu tudo que poderia ter sofrido nessa vida. Ela nos encara. 

    A partir daí temos duas possibilidades de se assistir a peça: a partir da obra de Dostoiévski ou a partir de uma inspiração recortada das páginas de O Idiota, sem qualquer pretensão de ser uma adaptação, mas a utilização de uma grande personagem para um manifesto contra a violência contra a mulher. Apesar de não serem possibilidades que se anulam, a primeira se definha pela opção da dramaturgia em retirar o horror e a brutalidade do clássico, ao tangenciar a comédia e a caricatura das personagens, a escolher praticamente retirar de cena o humanista e epiléptico príncipe Míchkin e, principalmente, ao buscar redenção no trágico. Fica a provocação, a essência crua do livro não teria mais impacto que o manifesto?

    A segunda possibilidade é desafiadora: arrancar das páginas de "O Idiota", uma complexa personagem feminina e dar-lhe o protagonismo. Estamos em sua festa, na noite fatídica em que seu destino será decidido por homens: Totski (Chico Pelúcio), o oligarca que a tomou como concubina na adolescência, agora a oferece em casamento a Gánia (Lenine Martins), como quem descarta um objeto. Presenciamos uma mulher que apesar de sofrer todos os tipos de violência, abusos e humilhações, se recusa ao papel de vítima, buscando ecoar sua voz e não aceitar a opressão, sendo ainda dominante, altiva e sedutora. A peça é uma clara e necessária denúncia contra o machismo, a misoginia e o feminicídio. 

    Em relação a parte técnica, na apresentação teve um problema no vídeo, que incomodou, retirando da cena um componente importante, que é a videoarte que revela vídeos e nomes de vítimas. Outras questão foi a iluminação, que apesar de momentos de muita qualidade artística, quando um personagem se olha no reflexo da água, peca em pequenos atrasos e também não se potencializa na cena da lareira.

    Algo que se percebe, também, é que a peça funciona mais em um local intimista, no qual o público esteja ao redor do palco, do que em teatros tradicionais com palco italiano e plateia; a ideia é de que o espetáculo foi feito para ser potencializado naquele tipo de ambiente, com o público dentro da festa de Nastácia.

    Também é perceptível que os atores estão presentes de corpo e alma no projeto, cada um se doando ao máximo em cada cena.

    No mais, a peça idealizada por Flávia Pyramo vem sendo aclamada e na qual é recorrente ver relatos de espectadores emocionados refletindo a condição feminina neste mundo, demonstrando que o Teatro é sempre válido e importante, ainda que o caminho escolhido pela montagem não seja o abismo de Dostoiévski.


    

    Ficha técnica

    Instagram da peça

    Fotos: divulgação

    Vídeo sobre Nastácia no Festival de Avignon (França)

    Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Agenda Cultural de Setembro/2025


Teatro Unip - 913 sul
18 a 21/09/2025



Diversos espetáculos em diversos locais
26/08 a 07/09/2025 


 

CAIXA Cultural Brasília
05 a 14/09/2025




CCBB Brasília
03 a 21/09/2025




Venâncio Shopping
05 a 07/09/2025




Sesc Gama - 04 a 06/09/2025
Sesc Taguatinga - 23 a 25/09/2025




 Sesc Brasília (Presidente Dutra) - SCS
05 a 06/09/2025




Teatro Mapati - 707 Norte
05 e 06/09/2025




Teatro Brasília Shopping
06, 13 e 20/09/2025





 Escola Parque 308 Sul
06 e 07/09/2025





Teatro Unip - 913 sul
06 e 07/09/2025





Ermida Dom Bosco
06/09/2025





Centro Tradicional de Invenção Cultural - 813 sul
07 a 14/09/2025



Teatro de Sobradinho - Quadra 12
13 e 21/09/2025




Teatro dos Ventos - Águas Claras
12 a 14/09/2025




CAIXA Cultural Brasília
16 a 18/09/2025




Casa dos Quatro - 708 Norte
17 e 18/09/2025




Sesc Gama (DF)
21/09/2025



Sesc Gama (DF)
26 a 28/09/2025


Complexo Cultural Samambaia, 23 e 24/09/2025
Sesc Silvio Barbato (Setor Comercial Sul), 26 e 27/09/2025, 03 a 05/10/2025





Teatro Unip - 913 sul
26 a 30/09/2025




 Teatro Nacional Cláudio Santoro
26/09/2025




Espaço Cultural Renato Russo - 508 sul
27 e 28/09/2025










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