“Deus te ama e tem algo reservado para você”, com este breve recado se
inicia o experimento cênico Terra Plana, uma distopia virtual, que transita pelo
teatro, pelo cinema, pela interatividade e, principalmente, pela estranha realidade
contemporânea, que a cada dia bate mais forte na nossa porta, ou melhor, na
nossa cara.
Você está preparado para viver sob as regras vigilantes de um Estado terraplanista, autoritário, heteronormativo, negacionista, onipresente, com poucas distrações, sem arte, cinza, mas com deus acima de todos?
Bem-vindos, neste espetáculo você poderá desfrutar do prazer de ser um
cidadão de bem, bem escroto, bem idiota, apoiador do regime, que decidirá o
destino de seres miseráveis, condenados pelos mais diversos motivos.
Como é engraçado viver um lugar tão divertido, onde execuções são comemoradas em programas de TV e podemos rir sem reservas, sem receio do politicamente correto daqueles esquerdistas de tempos de outrora, hoje mera resistência ao poder constituído na Terra Plana, onde se julgam os destinos, sem qualquer proporcionalidade, ampla defesa e contraditório, onde provas são apenas obstáculos desnecessários para prender os indesejáveis e qualquer acusação de racismo, violência contra a mulher, homofobia, transfobia entre outras não passa de puro mimimi.
Terra Plana, uma distopia virtual é uma bela crítica social interativa,
que quebra a quarta parede virtual, nos trazendo um incômodo, uma certa
vergonha, testando o que nos resta de humanidade e empatia.
Com referências a “Fahrenheit 451” (saiba mais) e “1984” (saiba mais), o espetáculo, que foi idealizado antes da pandemia e teve que se reinventar para o mundo virtual, consegue prender o espectador do início ao fim, fazendo-o se sentir no lugar das personagens e, também, do público do insano reality show, que traz a redenção de um dos condenados, uma mostra da nossa sociedade do confronto, na qual tudo se torna uma disputa.
As atuações foram firmes e seguras, com brilho em muitos momentos, bastante
convincentes, causando no público uma mistura de sensações, entre elas, compaixão, raiva, nojo, empatia, como se pode perceber no bate-papo
ao final da apresentação, um trabalho forte com um resultado interessante.
Tecnicamente, o experimento está muito bem montado e adaptado para o
mundo virtual, neste momento tão difícil para os artistas. A direção e a edição
dos vídeos estão excelentes, não havendo em nenhum momento falhas que deixem o público
na dúvida daquele pequeno recorte da realidade ou que o façam deixar de
perquirir o que estão vivenciando. Tomara que em breve possamos assistir essa
peça em um palco, com ar do teatro, com a luz cênica, com toda aquela atmosfera
magnífica.
Ficha técnica e ingressos: clique aqui
Fotos: Casa de Ferreiro
Por fim, como não se emocionar com a homenagem a eterna e saudosa Marizilda Dias Rosa, falecida em abril/2021, vítima do genocídio que estamos presenciando todos os dias, artista parceira da Companhia, uma atriz incrível e inesquecível, o sorriso mais lindo que já se viu e a pessoa que deixava qualquer um que convivesse com ela com a alma leve depois de uma simples conversa, uma das pessoas mais especiais que tive a honra, a sorte, a alegria e o orgulho de ter sido amigo.
Viva a Arte!
Viva a Diversidade!
Viva o Estado Laico!
Viva o Teatro!
Viva a Poesia!
Tempo do óbvio
(https://poesiasentipensante.blogspot.com/2021/02/tempo-do-obvio.html)
Hoje é tempo de discutir o óbvio
É tempo de defender a compaixão, a
empatia, a equidade
É tempo de defender a cultura, a educação,
a saúde
Hoje é tempo de discutir o óbvio
É tempo de defender que não é mais
possível viver olhando só para si
É tempo de defender que os direitos
humanos não são apenas para alguns humanos
Hoje é tempo de discutir o óbvio
É tempo de defender que um futuro só é
possível, olhando o passado
É tempo de defender que um futuro só é
possível, corrigindo o presente
Tudo isso é óbvio?
Rodrigo Ferret – 22/06/2020
Depois de tudo que estamos passando, espero MUITO que o mais simples e "óbvio" seja visto como mais importante.
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