02/10 a 12/11/2024 (Quartas e Quintas) - Temporada prorrogada
Teatro Brasília Shopping
Espaço Cultural Renato Russo
1° a 03/11/2024
Espaço PÉ DiReitO
Textos dedicados a análises teatrais e dicas culturais
Hannah Arendt acaba de chegar da nuvem, para uma Aula Magna. Barba e salto. Teatro. Teatro de Autor. Autor, Ator e Diretor. Homem de Teatro. Gente de Teatro. Teatro. Arte do Encontro. Arte de nos encontrar com os outros e com nós mesmos. Teatro. Cinco anos após o ensaio aberto que deu início às investigações para composição do espetáculo, aqui estou novamente, vendo em que a obra que vi dar seus primeiros passos se tornou. Teatro.
O espetáculo convida o público a refletir sobre a mediocridade que a vida nos impõe no cotidiano e a falta de pensamento crítico na sociedade. Com seu humor peculiar, Hannah chama atenção deste mundo cínico contando algumas histórias sobre este mesmo mundo de pessoas de pequenas éticas e etiquetas, onde homens simples e comuns são capazes de cometer as maiores barbáries.
Um ponto crucial da peça é o julgamento do nazista Adolf Eichmann, presenciado por ela, que resultou em um dos seus principais conceitos da obra de Hannah, a Banalidade do Mal. Lá, não viu monstro sanguinário, mas um funcionário, incapaz de refletir sobre seus atos, praticados pelo manto da burocracia, um medíocre. Quantos Eichmanns estão entre nós? Quanto de Eichmann temos em nós? Qual o limite e os riscos de banalizar o mal? Qual a importância da educação e do pensamento?
Tecnicamente, a Aula funciona muito bem, imersa em teatralidade, mantendo a energia do início ao fim, com algumas pausas entre indagações e reflexões, para que os alunos tomem fôlego para seguir. Tudo é bem cuidado, o figurino, o cenário, a luz e o som. E, assim como Hannah chega, se vai; mas permanecendo dentro de nós, seres humanos, seres políticos, semeando o pensar, o pertencimento, a educação e a cidadania. Saímos mais atentos e alertas do que entramos.
Importante falar sobre Eduardo Wotzik; Homem de Teatro com 46 anos de carreira, fundador do Grupo Tapa, estudioso e investigador do Teatro. Autor, Ator, Diretor e Produtor que mantém sua Arte renovada a cada trabalho, que se inicia sempre de uma ideia original e é montada partindo do zero até chegar aos palcos e ser sucesso, como acontece aqui e com Missa para Clarice. Um Artista brilhante e incansável, com muita história em cena e com muito a contribuir para o nosso Teatro.
Instagram da peça: clique aqui
Reportagem sobre a Mostra Encontro com Eduardo Wotzik – 40 anos investigando o Teatro, Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro: clique aqui
Entrevista com Eduardo Wozik: clique aqui
Agradecimentos: Rodrigo Machado (Território Comunicação) e Renata Rezende.
Inspirada em cartas trocadas com Max e textos de Kafka, a peça se desenvolve na atmosfera kafkiana, mostrando também o lado boêmio e divertido do grande escritor, com trilha sonora ao vivo em acordeon e piano, dando o tom da noite, muito bem acompanhada por um bailarino que representa personagens e pensamentos do universo de K e da vida de Kafka.
Em cartaz desde 2018, a dupla de atores, Maurício Machado e Anderson Di Rizzi, consegue dar leveza e poesia a um momento fatal. É visível a paixão e o carinho de ambos para com a obra de Kafka. O texto de Sérgio Roveri consegue deixar o público alerta e curioso durante toda a peça, misturando elementos da realidade, da ficção e dos sonhos. A direção de Eduardo Figueiredo consegue fluir e elevar a peça, dialogando com o alto nível da montagem, que segue crescente até final. Tudo impressiona: o visagismo, a maquiagem, a técnica corporal, a música, o cenário, os figurinos, a iluminação e o tom sépia, retrato da época.
Esperança há, não para nós.
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Fotos: divulgação
Agradecimentos: Deca Produções e Rodrigo Machado (Território Comunicação)
A peça tem como mérito contar de forma leve e bem-humorada uma história medieval e complexa pela multiplicidade de personagens e momentos; principalmente, o uso de adereços específicos para cada personagem, uma solução cênica interessante. Assim acompanhamos, a saga de Inês e Pedro; ela, oriunda de Castela (Espanha), dama de companhia da primeira esposa dele; ele, herdeiro do Trono Português, futuro Rei. Uma paixão imensa que transborda e ameaça os interesses de Dom Afonso IV. Ela, decapitada pelo Rei; ele, futuro Rei; a coroação da Rainha Morta.
Inspirado na Doutrina Espírita e na História, o espetáculo é fruto de pesquisa de campo em Portugal e de leituras Bocage, Camões e Chico Xavier; e Portugal medieval se traduz em cena, tanto no texto, quanto no figurino e na trilha sonora original; com camadas espirituais, históricas e poéticas, dando sentido ao ditado popular e, também, ao que é universal do ser humano. Com pegada minimalista, a direção é de Adriana Nunes, protagonista, acompanhada de André Deca e Rosanna Viegas, que se revezam em múltiplos personagens.
A peça pode ser vista por vários ângulos, não precisando acreditar em vida após a morte ou entender de História para que se extraia o melhor, bastando estar atento, para ser um observador da luta de uma paixão, como muitas que se desenrolam no dia a dia, algumas florescem e outras são sufocadas e decapitadas, mas nenhuma delas deixou de existir.
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Instagram: @agorainesemorta
Fotos: divulgação
Agradecimento: Renata Rezende (Teatro Brasília Shopping)
O Rio montado em Brasília, um espetáculo que infantil que mostra a nossa história e nos convida a sair do celular para deixar de olhar para uma tela e olhar para nós mesmos. Um paralelo entre a história do Brasil e, mais especificamente, do Rio de Janeiro com a história de um dos gêneros musicais mais genuínos; de um Brasil que resistiu ao Brazil.
O Choro, que nasceu da precariedade a que as classes menos privilegiadas sempre foram destinadas, que com ritmos e instrumentos africanos e europeus aqui e ali, foram sendo incorporados nos terreiros e quintais, da Pequena África carioca, que viu uma avenida passar por cima sem perguntar. Uma história de desenvolvimento de uma cidade que nunca se preocupou com as pessoas, que descartadas eram expulsas do centro e empurradas para cima ou para longe; um Brasil que até hoje resiste ao Brazil.
O espetáculo conta e canta o Choro, de forma sublime; rapidamente o público se sente imerso em Música, Teatro e curiosidades históricas, em uma atmosfera que abarca todos os presentes independente da faixa etária, é uma viagem lúdica e cuidadosa, que dá ao público uma sensação de se conhecer mais e de se conectar ao que somos nessa magia do fazer Teatro; um Brasil que precisa resistir ao Brazil.
Um dos maiores méritos da peça, é mostrar, principalmente às crianças, que é divertido e importante conhecer de onde viemos, o que somos; mostrar que o Teatro é um Templo do pensar e isso começa desde cedo, um espelho imerso de Som e de Tempo. E, assim, caímos no Choro, contemplativos e emocionados, alimentados de Arte; um Brasil que vai resistir ao Brazil.
Para contar e cantar o Choro, Operilda (Andréa Bassitt, atriz e dramaturga) conta com a ajuda dos Chorildos, uma banda de músicos fenomenais: Andréa Bassitt (Operilda), Chico Macedo (sax, flauta e clarineta), Deni Domenico (cavaquinho e bandolim), Helô Ferreira (violão de 7 cordas) e Nelson Essi (percussão). A direção precisa é de Regina Galdino e a direção musical é de Chico Macedo, que parecem cuidar de cada detalhe para a que tudo no palco flua como um Choro.
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Fotos: divulgação
Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)
Teatro! Vivo e Intenso! Dois atores, duas cadeiras e luz! Um texto repleto de metatexto! De Teatro dentro de Teatro dentro de Teatro! Não se pode perder dez segundos! Não se pode piscar! Cada detalhe é crucial para o próximo detalhe que é crucial para o próximo detalhe! Não se deve estar no centro do círculo ou não enxergará o todo.
Com texto do dramaturgo canadense Daniel MacIvor, dirigida por Enrique Diaz e contracenada por Emílio de Mello e Fernando Eiras, In on it retorna aos palcos 15 anos depois do sucesso, um espetáculo que celebra a profundidade e densidade das relações em três realidades/ficções que se tangenciam.
O que parece simples: Dois personagens montando uma peça escrita por um deles ao mesmo tempo que falam de seu passado. Peça, espetáculo e passado. Tudo em In on it. O que não parece simples: estarem todas as camadas do ser humano contemporâneo presentes ali. Tudo em In on it. Coisas que acontecem por que foram planejadas e simplesmente acontecem, coisas que chegam sem avisar e mudam nossas vidas. Coisas que criamos e coisas que nos chegam precisamos dar sentido. Tudo em In on it. O drama, o humor, o lirismo, a vida e a morte. Tudo em In on it. Muitas coisas ...
A atuação tem muita naturalidade e dinamismo; além do talento e currículo indiscutível dos dois atores, há sinergia e sincronismo elevados, ambos estão sempre prontos para tudo em todas as cenas. A direção de Enrique Diaz é visível e notável, podendo se perceber nos detalhes; a energia da peça permanece alta no início ao fim, não há espaços vazios em cena, nem momentos descartáveis.
Talvez seja difícil dimensionar a potência do jogo mental presenciado. Desde o início, há um arco sendo tensionado e uma flecha de palavras puxada para trás para atingir em cheio o espectador, que, incauto, não sabe o tamanho do impacto que o aguarda se conseguir se entregar.
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Fotos: divulgação
Agradecimentos: Rodrigo Machado (Território Comunicação) e André Deca (Deca Produções).