domingo, 5 de março de 2023

Molière – Uma comédia musical de Sabina Berman – com Matheus Nachtergaele – CCBB/DF – Em cartaz até 12/03/2023

           Rivais! 

       A disputa e o conflito entre a comédia e a tragédia, personificadas em dois gênios do Teatro: Molière e Racine, seu ex-pupilo, na França do Rei Sol, Luís XIV. A vida e a obra de Molière contadas por seu ex-pupilo e agora rival, a vida de quem viveu o sonho de ser um homem de teatro até as últimas consequências, o homem que fez rir, desafiou mecenas, nobreza e clero; e permanece eternamente vivo nos palcos.


        O espetáculo passeia na vida do grande dramaturgo, mostrando suas paixões,  conflitos, apostas, acertos, erros, vitórias e decepções, risos e choros, apresentações e censuras, os dois lados de diversas moedas; as máscaras do Teatro. A plateia consegue saborear e viver cada segundo das 2 horas e 20 minutos de apresentação, que passam rápido demais, como se o tempo tivesse parado, para estar ali, na França do século XVII.


        A peça traz interessantes reflexões pessoais e coletivas, sobre a importância da comédia, sobre a forma de mostrar o mundo e a sociedade em um palco, sobre qual o preço da não submissão da arte aos poderosos, sobre como estar alerta e forte para combater a censura e a estupidez. Fica evidente ao espectador, a força da obra, que tem muito cuidado estético, sonoro e no ofício do ator, um espetáculo de múltiplas camadas e de resultado incrível, daquelas peças que ficam na mente de quem ama Teatro.


        Sob a precisa e intensa direção de Diego Fortes, as cenas funcionam como uma engrenagem, conectadas, sem espaços desnecessários. O palco o tempo todo em movimento, com diversas cenas acontecendo ao mesmo tempo. Há também o metatexto, o teatro dentro do teatro, como não poderia deixar de ser, por se tratar da vida de um gênio da nobre arte. As atuações são interessantíssimas, a de Matheus Nachtergaele é uma homenagem à Molière, sendo visível a forma generosa que ele divide o palco. Uma curiosidade: assim como Molière, Matheus, em entrevistas, declarou uma certa resistência ao fazer comédia no Teatro, e da mesma forma que o homenageado, se jogou no abismo no palco.


        Além do protagonista, o público é presentado com as impecáveis atuações de Elcio Nogueira Seixas (Racine), Renato Borghi  (Arcebispo Péréfixe), Josie Antello (Rei Sol), Carol Carreira (Armande), Rafael Camargo (La Fontaine), Luciana Borghi (Madeleine e Rainha Mãe), Jorge Hissa (Gonzago), Regina França (Mademoiselle Du Parc e Madame Parnelle) e Diogo Brandão (Baron e Primeiro Médico). O cenário e o figurino são bem detalhistas e trazem uma grandiosidade a peça. A trilha sonora, com músicas de Caetano Veloso, é executada ao vivo, por grandes músicos conduzidos pelo maestro Lully (Fábio Cardoso).



        Uma peça indispensável, para quem viveu os últimos 4 anos em um país com a Democracia e a Cultura ameaçadas pelo mesmo tipo de políticos e religiosos, tanto hipócritas como corruptos, que perseguiram a Arte de Molière. Como é bom ver o nosso País e o nosso Teatro se reconstruir e voltar a florescer, trazendo mais leveza, permitindo o riso ao povo, em que pese a dureza do cotidiano, substituindo a dor pelo prazer de ter a chance de ser feliz.


A Arte sempre vence!


Ingressos: clique aqui

Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)

Fotos: divulgação



Meu Deus!

ou

Para Molière, com carinho


Se sua fé fosse uma utopia?

Se no lugar de templos suas esquinas tivessem teatros?

Se seu deus personificado fosse uma personagem?

Se seus dogmas fossem poesias?


Se sua prece fosse diálogo?

Se seus bancos fossem plateia?

Se seus profetas fossem dramaturgos?

Se seus pecados fossem parte do jogo cênico?


Se seus evangelhos fossem peças que nos mostram o caminho?

Se sua luz fosse holofotes?

Se seus sacerdotes fossem atores e atrizes?

Se a vida eterna terminasse sempre em aplausos?


Sejam bem-vindos ao nosso Reino


Rodrigo Ferret – 03/08/2020


sábado, 4 de março de 2023

Ninguém Dirá Que é Tarde Demais – Texto de Pedro Medina – Com Arlete Salles, Edwin Luisi, Alexandre Barbalho e Pedro Medina – Direção de Amir Haddad – Teatro Royal Tulip – Em cartaz em Brasília de 03 a 05/03/2023

    Dança da vida, poesia contida em ilhas de solidão provocadas pelo que não se via; cada um buscando alternativas em vidas suspensas e tentando sobreviver, para poder retomar, quem sabe, o que realmente importa. Arlete Salles e Edwin Luisi protagonizam uma peça leve, divertida e reflexiva, uma celebração da volta à vida e à volta aos palcos, neste lugar tão especial chamado Teatro, que é a Arte do encontro, a Arte de se fazer presente, seja no palco ou na plateia. Nunca é tarde demais.


    O espetáculo nos convida a vivenciar a história, em plena quarentena da pandemia, de vizinhos que se odeiam sem se conhecer, que criam aversão por imaginar quem é aquela pessoa irritante que está do outro lado da parede. Transitando entre o humor e o drama, fazendo rir e emocionar, a peça é uma poesia ao estar vivo, ao poder compartilhar, à nova chance de existir e fazer a vida fazer sentido, encarando a verdade de frente, desafiando o tempo, a sociedade, a idade, as dificuldades e o que esperam de nós. Nunca é tarde demais.


    Das incertezas ao conflito de gerações, da solidão ao amor na terceira idade, da vida não vivida à vida para viver, do risco à coragem de arriscar, do humor ao drama, do drama ao humor, das surpresas às revelações. O público vai sendo capturado pela história que tem uma luxuosa simplicidade, que a engrandece, em cenas marcadas pelo diálogo. realmente impressiona presenciar as atuações de Arlete Salles e Edwin Luisi, vocações e paixões inabaláveis pelo ofício de ser artista, que se fortalecem com o tempo e são um presente para o público. Somos, sim, privilegiados em ver gigantes do nosso teatro em cena, com a direção do lendário Amir Haddad. É um acontecimento, é o desejo de viver posto em prática. Nunca é tarde demais.


    Uma curiosidade: a peça é uma verdadeira produção em família: Arlete Salles, seu filho Alexandre Barbalho (ator) e seu neto Pedro Medina (ator e dramaturgo), tendo ainda na direção musical, Lúcio Mauro Filho (enteado), responsável pela bela trilha sonora, composta, entre outras, por canções de Tom Jobim, Chiquinha Gonzaga e Debussy.


    Participamos de uma noite amorosa, acolhedora, que mostra a necessidade de se relacionar, de se encontrar e de pensar. Assim como os grandes artistas estão voltando aos palcos, nosso blog volta hoje, para poder contar a história do Teatro em Brasília, de forma apaixonada e verdadeira, trazendo o leitor para a plateia. Nunca é tarde demais.


“O Teatro cura”

Amir Haddad


    Ficha técnica e ingressos: clique aqui

    Fotos: Guga Melgar

    Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)



Mar a dentro

Ver esses tubarões nesse pequeno aquário

É uma das coisas mais tristes que há

Nessas gaiolas de vidro


Você pode imaginar como eles são na natureza

Mas jamais irá sentir o que senti quando mergulhei com eles

Mesmo que a certa distância

A uns 3 metros

Da caixa cênica 


Rodrigo Ferret – 04/12/2020


sexta-feira, 15 de abril de 2022

PinóQuio – Cia PeQuod (Rio de Janeiro/RJ) – CCBB Brasília/DF - Em cartaz em Brasília até 1°/05/2022

    

    Uma obra de arte!

   O texto começa assim, não teria como não começar, com um espetáculo tão bem trabalhado, com engrenagens complexas e múltiplas clamadas, para contar de uma forma bela e inusitada, uma opereta com canto lírico e canto falado, a história escrita por Carlos Collodi sobre o boneco mais famoso de todos os tempos.


    O texto de Tim Rescala, maestro ícone do teatro musical, conta a versão original do folhetim que depois virou livro, mostrando Pinóquio como foi concebido, em uma adaptação limpa e fluída. Em uma verdadeira montanha-russa de emoções, a peça não dá tempo para ninguém se entediar em seus 100 minutos de apresentação e cerca de 30 músicas.

    A peça se passa no picadeiro do Circo Collodi, em uma homenagem ao autor. O cenário é lindo, somos transportados rapidamente para a Itália do século XIX, para sermos os privilegiados espectadores das aventuras do boneco que sonha virar menino. Um visual muito rico, com figurinos impecáveis, um visagismo onde tudo conversa com tudo, não há demais nem de menos. Esta harmonia também se faz presente nas linguagens: o teatro, o circo, a ópera, os bonecos.



    A história é narrada por dois cantores líricos, a soprano Mona Vilardo e o Barítono Santiago Villaba, incríveis, com vozes de arrepiar, e acompanhada, musicada integralmente, de forma perfeita por dois músicos Tibor Fittel (teclado e acordeon) e David Ganc, Rodrigo Reveles ou Dudu Oliveira (sax e flautas). Os cantores líricos também participam das cenas como outros personagens e todos os atores também multiplicam seus personagens em cena. Todos atuam, cantam, dançam e fazem sonoplastia, tudo de forma muito orgânica e ágil. Todas as cenas são perfeitas, muitas memoráveis, como a da floresta, quando Pinóquio se perde e a da baleia, quando reencontra seu criador.


    O trabalho de Lilian Xavier dando vida a Pinóquio é sensacional. Em cada movimento, em cada fala, nota-se um magnífico trabalho de corpo e de construção da personagem, plasticamente perfeita, sua interpretação é um presente ao público. Márcio Nascimento, um mestre do teatro de bonecos, no papel de Geppetto, abraça o público como um pai, com uma interpretação cativante. O Grilo falante, interpretado por Marise Nogueira, sempre a advertir e tentando mostrar o melhor caminho, também tem destaque na peça, com suas intervenções que sempre nos fazem pensar e sua linda voz, o inseto, eu interno de Pinóquio materializado no palco. A Raposa e o Gato, Maria Adélia e João Lucas Romero, os gatunos espertalhões que tripudiam da inocência de Pinóquio, trazem diversão e irreverência, com atuações também de alto nível.



    A direção de Miguel Vellinho, idealizador do espetáculo, é impressionante, um verdadeiro relógio, onde cada engrenagem funciona, uma construção cênica que se completa com a música do parceiro Tim Rescala, fruto de longos estudos durante a pandemia, muito sonho, muita pesquisa, muita experiência e muito trabalho, como podemos observar na entrevista à Estação Sabiá (confira).


    Do ponto de vista da reflexão, a peça aborda o desprezo pela Escola, pela Educação, pela Artes, pelos Artistas, pelos Educadores e o preconceito que trazem o obscurantismo e retrocesso que estamos vivendo nos dias de hoje. É quase inacreditável como chegamos neste ponto, como estamos atrasados tendo o Artista, como dever de ofício, tocar em questões do século XIX, questões apresentadas em clássico que tem 135 anos de idade. É mais que necessário, é urgente, romper este círculo vicioso, como também necessário e urgente reverenciar os Artistas e os Educadores, a Arte e a Educação. Outro ponto é a metáfora do crescimento contida na história, do boneco que de tanto errar se tornar humano, passando por várias fazes, madeira, boneco de madeira, jumento e, finalmente, um menino, o que nos faz pensar em um paralelo em evoluir para se tornar um cidadão, não um "cidadão de bem", mas um cidadão de verdade.


    Interessante ressaltar que o espetáculo comemora o 20° aniversário da Cia PeQuod, atualmente com 21 anos de existência, em grande estilo, com a feliz coincidência do grupo que se notabilizou pelos teatros de bonecos, estar apresentando uma peça sobre o principal boneco da História e, embora tenha boneco na peça, o trabalho é feito todo no corpo de atores, em uma bela homenagem ao Artista popular, ao Artista de Circo, aos Artistas em geral, mostrando que a Arte é Resistência!!!

    Após Rio, Belo Horizonte e, agora, Brasília, o espetáculo vai para São Paulo, em uma temporada de maio a junho/2022, pela sua magnitude e pelo tamanho do trabalho, pelo elenco, que é um acontecimento, espero que a montagem percorra outras cidades do Brasil e também participe de festivais internacionais.


    Dedico este texto ao Monstro Sagrado, Gigante, Gênio, Provocador do nosso Teatro, o Eterno Hugo Rodas, que jamais morrerá e estará sempre presente em cada pessoa que encantou e ajudou a formar, seja como artista, seja como público. Hugo não teve um velório, mas uma Festa de corpo presente, da forma como pediu, sendo celebrado. Evoé!!!

    “Teatro é mais que amor, é paixão. É necessidade. É um reflexo do seu pensamento hoje, não é coisa do passado, mas do presente. É vida, é sonho, é alimento, é alma, é silêncio... de repente você respira: isso é Teatro!” (Hugo Rodas)


    Ingressos: compre aqui

    Ficha técnica: clique aqui

    Site da Cia PeQuod: confira

    Instagram: siga aqui

    Teatrinho para baixar em casa: clique aqui

    Bastidores (reportagem do Canal Culturadoria): assista aqui

    Agradecimento: Rodrigo Machado, Território Comunicação (instagram)

    Fotos: Renato Mangolin


sexta-feira, 8 de abril de 2022

Vladimir – Iury Persan, Cutucart (DF) – CREAS da Cidade Estrutural/DF

 

       Uma joia nas mãos!

    Foi tudo que pensei quando acabei de assistir o espetáculo Vladimir, em uma quente noite de domingo, em plena Cidade Estrutural, famosa por ter crescido em torno e abrigado o maior Lixão da América Latina. A cidade fervia, ávida por cultura, que borbulhava de asfalto e gente, uma cidade viva, embora esquecida. O esquecimento e a desigualdade escancarada estavam também presentes no palco, naquele cenário, um barraco, que representava o lar de um homem solitário, com seus improvisos e reciclados, em uma vida improvisada e reciclada com poucos recursos e muitas esperanças na mudança.


    Com IURY PERSAN (atuação e dramaturgia) e ANALU RANGEL, com a direção geral de GETULIO CRUZ e direção de atores de ANA VAZ, o espetáculo é baseado na palhaçaria e no teatro gestual, com narração e sonoplastia. A personagem Vladimir é muito bem construída, em cada detalhe e trejeito, em cada movimento, em cada cena, conquistando o público rapidamente, sem falar quase nenhuma palavra. Um palhaço, caricatural, que representa muito do nosso povo, em uma realidade cada vez mais empobrecida nos últimos anos, aqueles que apesar de tudo, ainda seguem mantendo a chama da esperança, mesmo que para a grande maioria tudo não passe de mera expectativa e ilusão.


    Vladimir tem múltiplas camadas dramáticas, mesmo sem disponibilizar a informação na peça, a personagem tem o peso de um passado em seus ombros e, paradoxalmente, a leveza da simplicidade e da solidariedade. Não é fácil rir de si mesmo ou de um espelho, ainda mais em sociedade tão cruel, que às vezes só permite remendos, fazer tudo durar, esticar. A arte de sobreviver. Em meio a reviravoltas, a peça entrega ainda a doce e emocionante palhaçaria de ANALU RANGEL, na personagem da ladra que muda a vida de Vladimir, nosso herói transgressor, nosso anti herói, nós.   


    A Arte precisa chegar à periferia, por meio de equipamentos culturais, o Povo precisa se enxergar, se ver no palco, para refletir, criar um pensamento crítico. A Sala transformada em Teatro estava lotada, com pessoas da comunidade, famílias locais, artistas. É necessário gerar esta mudança, formar público, popularizar a Arte. Aos que não são da Periferia, quando tiver espetáculos lá, prestigie, compareça, avise aos amigos, seja também um agente da transformação.


    Estrear na Cidade Estrutural traz muita força para Vladimir, que certamente vai ganhar outros palcos em Brasília e, também pelo Brasil. Vladimir tem um caminho próprio e belo a percorrer.



OLÉ


Nunca deixem dizer que na periferia não tem Arte, que não se faz Arte!!!

IURY PERSAN

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    Sobre a Cutucart:

    A Cutucart se estabelece como produtora cultural, proporcionando iniciativas de entretenimento ao vivo como festivais e mostras culturais, além de estimular oficinas formativas de cunho social em regiões administrativas de Brasília. Por meio dessas atividades, visa promover eventos que fomentem o movimento artístico brasiliense, impulsionando novas criações e estimulando o fortalecimento criativo da cidade e da sua identidade cultural. Entre os eventos produzidos pela produtora, destaque para Subúrbia, Corpoesia e Teatro Estrutural.

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    Fotos: HUMBERTO ARAÚJO (clique aqui)

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