sexta-feira, 29 de março de 2024

Fim de Partida – CCBB Brasília

    Revisitar Beckett é estar frente ao espelho, observando a nossa sina de uma fuga que nunca iremos alcançar. É experimentar o trágico da condição humana, rir de forma envergonhada, mas nunca tola; e sempre ter a esperança que algo vai mudar, ainda que em vão. Assim, atravessamos a peça na expectativa de uma descompressão que não vem.  A natureza nos esqueceu. 


    Nunca se engane com palhaços em cena; a nossa história, Fim de Partida, nunca será uma peça de humor, ainda que possamos rir de nós mesmo e ter momentos efêmeros de prazer. Rir da nossa forma de servir e sermos servidos, das nossas relações, dos jogos de poder que nos são impostos, ou que voluntariamente nos inserimos, e papéis que representamos. Eternas repetições. Não existe mais natureza. 



    Escrito em tempos de ruptura, o texto tem a atmosfera da desesperança da harmonia da convivência entre seres humanos. Vivendo em um buraco, um homem manipulador chamado Hamm, seu espólio (seus pais fantasmagóricos e sem pernas, Nagg e Nell, que vivem em latas de lixo) e Clov, o serviçal, o peão que pode se mover. Um jogo de xadrez em círculo. Um contínuo movimento para frente e para trás. O rei e o peão. Esta noite eu vi dentro do meu peito. Tinha uma imensa ferida.



    A montagem é ousada e consegue atingir em cheio os espectadores mais atentos. Sensacional a simbiose entre pai e filho (Francisco e  Victor Dornellas - Trupe Garnizé), interpretando Hamm e Clov, trazendo magia ao palco, misturando realidade e ficção. Afetos e conflitos. Um ator consagrado que supera tudo para estar em cena e seu filho, que com todo talento e grandiosidade, trilha seu próprio caminho nos palcos, sem esquecer do legado que carrega. O que você viu foi seu coração.


    A direção de Edi Ribeiro é precisa e respeita a condição do interprete de Hamm, extraindo o melhor para as cenas, para exaltar a vida e a obra de arte do autor. Nota para o bom trabalho de João Santos e Marina Viana. A trilha sonora complementa de forma orgânica o espetáculo. O cenário cercado de livros, remete ao conhecimento, a única coisa que resta quando não temos mais nada. Os tons pastéis, a palidez, de todo o conjunto de maquiagem, figurinos e adereços, dão a sensação da ausência. As janelas altas demais, o sol fraco demais, o mar perto mas longe demais; tudo converge para o pequeno universo hermeticamente isolado. É um fim de dia como os outros, não é, Clov?



    Beckett sempre surpreende! Uma viagem até o âmago do ser humano. Não é uma peça fácil, mas uma peça para ser vivida e absorvida. Às vezes é desconfortável se encarar, seu reflexo em alguns momentos pode ser o que você não gosta de ver. Nunca teve a curiosidade, enquanto dormia, de tirar meus óculos e espiar meus olhos?

    Conheci um louco que pensava que o fim do mundo tinha chegado. Ele pintava. Eu gostava muito dele. Ia vê-lo no hospício. Eu o tomava pela mão e o arrastava até a janela. Olhe! Ali! O trigo começa a brotar! E ali! Olhe! As velas dos pesqueiros! Como é bonito! (Pausa) Ele me fazia soltar sua mão, bruscamente, e voltava para o seu canto. Apavorado. Tinha visto apenas cinzas. (Pausa). Apenas ele tinha sido poupado. (Pausa) Esquecido. (Pausa) Parece que o caso não é … não era… tão… tão raro.     

    Era Beckett.



    Ingressos e Ficha técnica     

    Instagram da Trupe Garnizé

    Fotos: Divulgação.

    Agradecimento: Rodrigo Machado (Território Comunicação)

segunda-feira, 25 de março de 2024

Dicas Culturais em Brasília Março/Abril 2024



FIM DE PARTIDA

CCBB Brasília

28/03/2024 a 21/04/2024

Crítica



A RESISTÍVEL ASCENSÃO DE ARTURO UI

Teatro Hugo Rodas, Espaço Cultural Renato Russo

22/03 a 31/03/2024

Crítica




Caixa Cultural Brasília

02 a 04/04/2024

Crítica


MINHA GRANDE, PEQUENA

Espaço Cultural Renato Russo

04 a 06/04/2024



TRILOGIA GRANDE SERTÃO: VEREDAS

RIOBALDO

Teatro Brasília Shopping

05 a 07/04/2024

Crítica




Teatro Garagem do Sesc 913 sul

05 a 07/04/2024



VINÍCIUS

Teatro Mapati 707 Norte

05 e 06/04/2024




Teatro dos Bancários

06 e 07/04/2024

Crítica



PAI NOSSO

Teatro Ribondi, Casa dos Quatro

06 e 07/04/2024



A VIDA ORDINÁRIA DE CRISTINA

Teatro SESC Paulo Autran - Taguatinga

11 e 12/04/2024 



TRILOGIA GRANDE SERTÃO: VEREDAS

O DIABO NA RUA, NO MEIO DO REDEMUNHO

Teatro Brasília Shopping

12 a 14/04/2024

Crítica



Teatro Garagem do Sesc 913 sul

12 a 14/04/2024




Caixa Cultural Brasília

19 a 21/04/2024



TELAPLANA

Teatro Royal Tulip

20 e 21/04/2024




CCBB Brasília

26/04 a 12/05/2024





Teatro Ribondi - Casa dos Quatro - 708 Norte

13 A 28/04/2024




A TROPA

Teatro UNIP

27 e 28/04/2024

Crítica em breve



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Da Puberdade à Menopausa, de Angela Dippe – Teatro Brasília Shopping


    Uma viagem ao mundo Feminino, uma aventura hormonal, um passeio pela montanha-russa das glândulas e fases da Mulher. Um texto autobiográfico com bom humor, preocupação social e informação. Uma peça para Mulheres e para quem está em torno delas, um espetáculo para viver, aprender e refletir.

    Nesse trabalho completamente autoral, Angela Dippe usa a própria biografia para desafiar o status quo e encorajar a mudança, uma luta contra tabus, machismo, patriarcado, violência obstétrica, etarismo e padrões; celebrando a importância da Mulher e todas as agruras de sê-la. 

    A plateia se diverte e troca energia com atriz, que tem uma história importante no Teatro e na TV. Um espetáculo leve que ao mesmo tempo se aprofunda quando precisa falar sério. Muito interessante ver o trabalho corporal de Angela Dippe e a sua dramaticidade em alguns momentos, quando tem a intenção de mostrar para o público a força do Teatro.

    Da Puberdade à Menopausa é um riso, é um grito, uma experiência, uma vivência, uma gargalhada. É tirar o véu do que nunca foi necessário, desnudar a hipocrisia, é ser o que se é, é ser que se tornou, Mulher.


    Ao Teatro Brasília Shopping, único shopping da Capital do país a ter uma Sala de Teatro, reforço a importância do palco para a nossa Cultura e a necessidade de manter a chama dos holofotes vivos! Que venham mais e mais espetáculos!



    Instagram da atriz: Angela Dippe 

    Agradecimento: Renata Rezende 

    Instagram do Teatro Brasília Shopping

    Fotos: divulgação

domingo, 24 de março de 2024

A Resistível Ascensão de Arturo Ui - Grupo Liquidificador - Espaço Cultural Renato Russo – DF

 

    O alerta de Bretch. Mais de quatro anos depois. O que assustava, agora se torna mais distante. Distanciamento de Bretch. Mas, ainda, alerta. Não é hora de sair celebrando apenas, aquela coisa ainda é latente, precisamos sempre estar atentos!


    Um show de dragkings nos conta a parábola escrita em plena 2ª Guerra Mundial. A ascensão violenta, ditatorial e sangrenta de um gangster que se dizendo o novo toma o poder em meio a uma crise, prometendo mudar o país e melhorar a vida do povo. Uma estória que não se cansa de repetir em vários locais do mundo.

    O grupo liquidificador apresenta novamente sua performance ácida e divertida, proporcionando reflexão sobre o que vivemos e ainda insiste em submergir. Uma peça que subverte o patriarcado e joga luz na emancipação feminina. Interessante a presença dos elementos do Teatro Épico de Brecht: Os cartazes, a paródia, os recursos grotescos, a redução do ser humano, a quebra da 4ª parede, entre outros. 

    Em 2019, o blog publicou o texto sobre a apresentação: clique aqui

   Em 2024, a peça continua com o mesmo ímpeto, mas um pouco mais leve em alguns aspectos, como se respirasse um pouco após quatro anos de perseguição à cultura e aos artistas, dando um certo distanciamento, mas nos mantendo ainda em estado de reflexão, para não esquecer o que vivemos e como tudo pode mudar em pouco tempo. 


    E o Espaço Cultural Renato Russo, templo de resistência, segue vivo, como nosso Teatro, nossa Cultura!!!

   Instagram do Grupo Liquidificador

   Ingressos

   Oficina de Arte Drag

    Fotos: Nina Quintana

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

O Veneno do Teatro – Osmar Prado e Maurício Machado – Teatro UNIP – Brasília/DF

    A morte de Sócrates, um jogo, a demonstração de poder absoluto, a luta entre classes, os questionamentos acerca das máscaras sociais e das convenções, a linha tênue entre a realidade e a ficção, a nossa crueldade exposta, explodindo na nossa cara. 

    Qual o limite para a nossa crueldade? 

    Até onde podemos chegar?     


    Escrita na redemocratização da Espanha, em 1974, após a Ditadura Franco; ambientada na Paris pré Revolução Francesa e encenada no Brasil inspirada na Paris da década de 1920, O Veneno do Teatro é atemporal e universal, mostrando que o teatro tem o poder de transcender e ser arte mais viva que possa existir. Ainda que muitas vezes, assim como a profissão de ator, tem o paradoxo de ser a mais desprezada das artes e a mais invejada e a mais executada, por ser a essência do ser humano atuar ao vivo e presencialmente.

    Um duelo entre um Marquês e um ator, um sádico aristocrata e um arrogante ator acuado, preso em seu jogo, prestes a ser a cobaia perfeita de seu teste. A brutalidade humana, a irracionalidade do poder absoluto contra alguém que tem acesso ao poder, mas jamais terá o poder, convidado a se apresentar nos melhores lugares ao mesmo tempo a se hospedar em um porão, a mais desprezada e a mais invejada das profissões.

    Diversas reflexões acerca de relações humanas e sociais, múltiplas vertentes e leituras, dependo do ponto de vista de cada um da plateia, que precisa estar atento do início ao fim, em uma peça de fôlego. Dentre as vertentes, o fascismo e o esmagamento da cultura, como presenciamos a pouco em nosso país; ou a eterna luta de classes, com o poder de vida e morte sobre os mais vulneráveis; além da verticalidade das relações e o poder absoluto e irrestrito. A peça cabe para cada espectador.

    A montagem traz a volta triunfal de um ícone aos palcos, Osmar Prado, um Homem de Teatro com 65 anos de profissão, que além da atuação, traz uma vontade, uma raça de atuar, uma felicidade de estar no palco nos impressiona, além de toda simplicidade ao receber o público. Um ator que trata a personagem como se deve ser, maturando-a a cada sessão, com muito cuidado, em minuciosos detalhes. Acompanhando o mestre, está o premiado e experiente ator Maurício Machado, que se doa por completo, brilhando em cena neste grande encontro, que terá uma longa temporada nos nossos palcos.

    A direção de Eduardo Figueiredo é prática e precisa, levando o público para onde o espetáculo precisa ir, com ritmo e soluções acertadas, complementada pela boa iluminação, que poderia ter investido um pouco mais em uma luz de época e menos na contemporânea. Já o cenário, é grandioso e traduz a tensão do jogo, prendendo o espectador em cena, aprisionando no porão do sádico marquês, fazendo com que se viva cada segundo e se preste atenção o tempo inteiro, para não perder nenhuma parte das peças que formam o xadrez que se encerra. A trilha sonora e sonoplastia é executada com o luxuoso auxílio de um violoncelo, de Matias Roque Fideles, que dá o tom dramático e de suspense ao espetáculo, arrepiando o espectador em seus solos.


Quando o pano cai, compreendemos ainda mais o tamanho dos Grandes Artistas, cujos olhos brilham ao expressar e defender a Arte!


Instagram da peça: clique aqui

Fotos: Divulgação

Agradecimentos: Rodrigo Machado (Território Comunicação) e André Deca (Deca Produções

Premiação APCA (Associação Paulista dos Críticos de Artes) 2023 para Osmar Prado: assista aqui