Em constante evolução, o festival
é gratuito e democratiza a difusão da arte, ampliando horizontes, dando espaço aos artistas e celebrando
a diversidade e a pluralidade, além de ter atividades formativas, inclusive na
rede pública de ensino (https://www.brevescenas.com.br/).
A programação do festival se
divide em quatro breves cenas, de até quinze minutos, por noite, que são
votadas pelo público.
Dia 22/10/2019:
O Corpo Dela é uma cena do Grupo por Nós (RJ), apresentada por
Alice Birman, Rebecca Lisboa e Viviane Dias. Três mulheres. Lutando pelo básico:
viver, existir. Por mais que isso implique em resistir a tudo, a todos, a nossa
realidade triste e violenta, em uma sociedade que celebra a barbárie ou apenas
se cega para tudo aquilo. Uma cena forte com interpretações firmes. Um
manifesto à luta contra o feminicídio, uma denúncia contra a violência à
mulher, que traz poesia e leveza em meio à dor, em uma busca eterna da redenção
pelo afeto e pela empatia. E nos pergunta, quantos casos espalhados pelo chão, quanto
sangue? Quantos corpos, quantas mulheres irão morrer antes que essa realidade
mude? Quantas vezes temos que falar sobre? Alertar? Punir? Mas principalmente educar
para que todos entendam: o corpo é dela, de ninguém mais.
A palhaça Ana Oliveira (AM)
apresentou a cena Mundo de Sofia,
sobre uma faxineira (palhaça) que em um raro momento de descanso entra em um
mundo fantástico para buscar a saída de uma realidade invisível de uma profissão
mal reconhecida. As brincadeiras de palhaçaria vão tirando aos poucos Sofia do
ostracismo até, de forma crescente, conquistar a plateia. Uma interessante
crítica social em entrelinhas, subliminar.
A terceira cena da noite é Bicho Doido estrelado por Rafael Andrade
- Cia Teatro Galeroso (PE). Um monólogo sobre pessoas excluídas, marginalizadas,
perdidas, sem perspectiva. Baseado em histórias reais e de ficção sobre pessoas
em situação de rua. A atuação de Rafael Andrade é muito orgânica e real, estamos
de fato diante de um doido, que entra entre berros segurando incontáveis bancos
e cadeiras, que serão seus parceiros de cena e tomarão forma do que a loucura
do doido quiser. O público rapidamente é abduzido pelo doido, que em um texto
desconexo e sem encadeamento lógico, nos grita, pedindo ajuda rindo em
desespero. Uma montanha russa de euforia e depressão, agravada pela condição
social. Angustiante, a cena diverte e toca o espectador.
Última cena da noite, Super Disponíveis foi apresentada por Carolina
Ferman e Lulu Carvalho (RJ). Duas aspirantes a atrizes participam de um teste
de elenco para mostrar de forma bem peculiar suas qualidades cênicas. Uma buscando conquistar a vaga com muita obstinação e
entrega, a outra com muita elegância e sensualidade, em cenas de muito humor com
interpretações interessantes que não levaram o público somente às gargalhadas,
mas à reflexão de qual o limite da entrega por um sonho.
Dia 23/10/2019:
A Cia Sal (SP) traz ao festival o trabalho espetacular Macacos. Apresentada pelo gigante Clayton Nascimento, a peça mostra a face perversa de nosso país sob o olhar da negritude. Em tom de manifesto, desabafo e relatos pungentes, denuncia o genocídio do povo negro em uma nação que opta oficialmente pelo esquecimento e pela busca de uma hipócrita e conveniente paz branca (saiba mais). A cena traz fatos históricos de 388 anos de escravidão oficial, passando pelo clareamento artificial de Machado de Assis, pela carne mais barata do mercado, pelo racismo estrutural até chegar à política de extermínio em 2019. Me fazendo lembrar de Abdias Nascimento, autor do clássico O Genocídio do Negro Brasileiro (saiba mais), Clayton Nascimento deixa o público perplexo e hipnotizado com sua interpretação visceral e intensa.
Teoria de Tudo é uma cena do Coletivo Instrumento de Ver - DF, criada
e interpretada por Júlia Henning que recebe o auxílio luxuoso da cantora Gabi
Corrêa. No palco diversas garrafas e um banco, objetos suficientes para a
experiência que tenta levar a teoria de tudo, que vai servir para qualquer
questão, qualquer tese. Enquanto a teoria é formulada, elementos textuais, circenses
e da dança vão tomando conta do palco junto com as garrafas que vão formando
novos objetos em meio ao equilíbrio e leveza da atriz Júlia Henning, com um
fundo musical belíssimo e delicado, vindo da voz singular e cristalina de Gabi
Corrêa. Para, finalmente, chegarmos à tão esperada teoria.
Ela quer ficar nua no teatro, ela
quer ser o centro das atenções. Dolores,
interpretada por Érica Rodrigues
(DF), é uma palhaça que não tem o menor pudor e vergonha, que quer, ao modo dela,
conquistar o público tirando a roupa. Arrancando risos, sensualizando de forma
desajeitada e descontraindo o público, Dolores, no caminho para o seu objetivo,
resolve propor ao público uma brincadeira: ser rotulada. Mal sabia ela das
consequências da brincadeira, que nunca acaba do jeito que ela pensava que iria
terminar.
Ana
Luiza Bellacosta (DF) apresenta Madame
Froda: em música clássica. Uma cena clássica de palhaçaria, na qual Madame
Froda, uma musicista desconhecida nacional e internacionalmente se apresentará
pela primeira vez em público. De forma hilária e irreverente, Madame Froda, que
chega inicialmente muito tímida e nervosa, conquista e atrai o público, que
passa a ajudá-la na difícil tarefa de tocar uma música clássica. Um trabalho
interessante e cativante, que toca de forma sútil no emponderamento feminino e
na negritude, além de demonstrar a necessidade de perseverar e ter criatividade
para atingir nossos objetivos.
Fechando a noite, a cena Matador de Santas, do Grupo Carranca
Coletivo (RJ), na qual um assassino em série está matando mulheres com nome de
santas. Após ter seu carro arranhado, uma mulher andrógena (Juracy de Oliveira)
se desespera achando ser a próxima vítima e vai até uma delegacia para pedir
medida protetiva. De forma histérica ela tenta argumentar que será a próxima
vítima do maníaco, mas o delegado (Thiago Carvalho) não lhe dá muita atenção,
minimizando sua situação, tentando convencê-la a ir embora e que ela não é alvo
do assassino. Uma cena que nos faz questionar até que ponto temos o direito de
desconsiderar o que o outro está falando por achar exagero ou alucinação. Destaque
para interpretação de Juracy de Oliveira, que traz um mundo drag ao palco de forma aguda, mesclando
humor com dramaticidade.
Dia 24/10/2019
Um mergulho na rotina de um ator
egocêntrico, uma viagem intensa e insólita. Originalmente concebido como cena
curta, O Nunca Jamais Imaginado - Jansen Castellar (RJ), é um exercício cênico,
um monólogo apresentado em um texto fluido, bem construído e consistente, que confunde
e desafia o espectador a imaginar se tudo aquilo é real, se está ocorrendo em um
set de filmagem ou se são apenas lembranças. A excelente interpretação de Jansen
Castellar apreende e sequestra a atenção do público, que submerge junto na
cena. Registro para homenagem aos artistas do Equador.
O Grupo Circo di Sóladies (SP)
apresentou a cena de palhaçaria Não Pode
Beijar Aqui, na qual uma violinista clássica (Kelly Lima) que toca música
clássica para pessoas clássicas de uma sociedade clássica que se incomoda com amor/afeto/tesão/desejo
(elas escolhem, são livres) das bailarinas (Tatá Oliveira e Verônica Mello) do
seu corpo de baile, mas não espera a resistência e força da reação que recebe
de volta. Uma cena divertida que faz a plateia extravasar, mandar o preconceito
embora, ignorar tabus e chutar tradições.
A Cia Sal (SP) traz ao festival o trabalho espetacular Macacos. Apresentada pelo gigante Clayton Nascimento, a peça mostra a face perversa de nosso país sob o olhar da negritude. Em tom de manifesto, desabafo e relatos pungentes, denuncia o genocídio do povo negro em uma nação que opta oficialmente pelo esquecimento e pela busca de uma hipócrita e conveniente paz branca (saiba mais). A cena traz fatos históricos de 388 anos de escravidão oficial, passando pelo clareamento artificial de Machado de Assis, pela carne mais barata do mercado, pelo racismo estrutural até chegar à política de extermínio em 2019. Me fazendo lembrar de Abdias Nascimento, autor do clássico O Genocídio do Negro Brasileiro (saiba mais), Clayton Nascimento deixa o público perplexo e hipnotizado com sua interpretação visceral e intensa.
Lá vem ele com a cena Fumaça! O grandioso mágico, faquir e bufão
apresenta em terras candangas sua arte, poder, mistério e magia. Não façam isso
em casa! Com atuação hilária, expressão corporal peculiar bem trabalhada e
construção de personagem interessante, Daniel Satin (SP/COL), leva o público ao
delírio com números cômicos de mágica e escapismo.
Agradecimentos: Sérgio Maggio e Pedro Brandt.
Ficha técnica do festival:
https://www.brevescenas.com.br/imagens_site/Programacao_BC2019.pdf
Fotos: Felipe Ando Fotografia - 61-99912-2106, exceto cartaz (divulgação).
Fotos: Felipe Ando Fotografia - 61-99912-2106, exceto cartaz (divulgação).
Quando a paixão está presente o resultado não pode ser outro: textos sensíveis e muito bem escritos. Presentes pra quem lê.
ResponderExcluirObrigado por ler
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