terça-feira, 22 de outubro de 2019

Festival de Teatro BREVES CENAS – 9ª edição– Caixa Cultural – DF

Recebi com muita alegria o convite para escrever sobre a 9ª edição do Festival de Teatro Breves Cenas. O festival que tem origem em Manaus – AM, sede das oito primeiras edições, comemora uma década de existência e está sendo realizado este ano em três cidades: Fortaleza, Brasília e Rio de Janeiro, contando com artistas de seis estados e cento e oitenta profissionais.

Em constante evolução, o festival é gratuito e democratiza a difusão da arte, ampliando horizontes, dando espaço aos artistas e celebrando a diversidade e a pluralidade, além de ter atividades formativas, inclusive na rede pública de ensino (https://www.brevescenas.com.br/).

A programação do festival se divide em quatro breves cenas, de até quinze minutos, por noite, que são votadas pelo público.

Dia 22/10/2019:

O Corpo Dela é uma cena do Grupo por Nós (RJ), apresentada por Alice Birman, Rebecca Lisboa e Viviane Dias. Três mulheres. Lutando pelo básico: viver, existir. Por mais que isso implique em resistir a tudo, a todos, a nossa realidade triste e violenta, em uma sociedade que celebra a barbárie ou apenas se cega para tudo aquilo. Uma cena forte com interpretações firmes. Um manifesto à luta contra o feminicídio, uma denúncia contra a violência à mulher, que traz poesia e leveza em meio à dor, em uma busca eterna da redenção pelo afeto e pela empatia. E nos pergunta, quantos casos espalhados pelo chão, quanto sangue? Quantos corpos, quantas mulheres irão morrer antes que essa realidade mude? Quantas vezes temos que falar sobre? Alertar? Punir? Mas principalmente educar para que todos entendam: o corpo é dela, de ninguém mais.


A palhaça Ana Oliveira (AM) apresentou a cena Mundo de Sofia, sobre uma faxineira (palhaça) que em um raro momento de descanso entra em um mundo fantástico para buscar a saída de uma realidade invisível de uma profissão mal reconhecida. As brincadeiras de palhaçaria vão tirando aos poucos Sofia do ostracismo até, de forma crescente, conquistar a plateia. Uma interessante crítica social em entrelinhas, subliminar.


A terceira cena da noite é Bicho Doido estrelado por Rafael Andrade - Cia Teatro Galeroso (PE). Um monólogo sobre pessoas excluídas, marginalizadas, perdidas, sem perspectiva. Baseado em histórias reais e de ficção sobre pessoas em situação de rua. A atuação de Rafael Andrade é muito orgânica e real, estamos de fato diante de um doido, que entra entre berros segurando incontáveis bancos e cadeiras, que serão seus parceiros de cena e tomarão forma do que a loucura do doido quiser. O público rapidamente é abduzido pelo doido, que em um texto desconexo e sem encadeamento lógico, nos grita, pedindo ajuda rindo em desespero. Uma montanha russa de euforia e depressão, agravada pela condição social. Angustiante, a cena diverte e toca o espectador.


Última cena da noite, Super Disponíveis foi apresentada por Carolina Ferman e Lulu Carvalho (RJ). Duas aspirantes a atrizes participam de um teste de elenco para mostrar de forma bem peculiar suas qualidades cênicas. Uma buscando conquistar a vaga com muita obstinação e entrega, a outra com muita elegância e sensualidade, em cenas de muito humor com interpretações interessantes que não levaram o público somente às gargalhadas, mas à reflexão de qual o limite da entrega por um sonho.




Dia 23/10/2019:


Teoria de Tudo é uma cena do Coletivo Instrumento de Ver - DF, criada e interpretada por Júlia Henning que recebe o auxílio luxuoso da cantora Gabi Corrêa. No palco diversas garrafas e um banco, objetos suficientes para a experiência que tenta levar a teoria de tudo, que vai servir para qualquer questão, qualquer tese. Enquanto a teoria é formulada, elementos textuais, circenses e da dança vão tomando conta do palco junto com as garrafas que vão formando novos objetos em meio ao equilíbrio e leveza da atriz Júlia Henning, com um fundo musical belíssimo e delicado, vindo da voz singular e cristalina de Gabi Corrêa. Para, finalmente, chegarmos à tão esperada teoria.



Ela quer ficar nua no teatro, ela quer ser o centro das atenções. Dolores, interpretada por Érica Rodrigues (DF), é uma palhaça que não tem o menor pudor e vergonha, que quer, ao modo dela, conquistar o público tirando a roupa. Arrancando risos, sensualizando de forma desajeitada e descontraindo o público, Dolores, no caminho para o seu objetivo, resolve propor ao público uma brincadeira: ser rotulada. Mal sabia ela das consequências da brincadeira, que nunca acaba do jeito que ela pensava que iria terminar.



Ana Luiza Bellacosta (DF) apresenta Madame Froda: em música clássica. Uma cena clássica de palhaçaria, na qual Madame Froda, uma musicista desconhecida nacional e internacionalmente se apresentará pela primeira vez em público. De forma hilária e irreverente, Madame Froda, que chega inicialmente muito tímida e nervosa, conquista e atrai o público, que passa a ajudá-la na difícil tarefa de tocar uma música clássica. Um trabalho interessante e cativante, que toca de forma sútil no emponderamento feminino e na negritude, além de demonstrar a necessidade de perseverar e ter criatividade para atingir nossos objetivos.



Fechando a noite, a cena Matador de Santas, do Grupo Carranca Coletivo (RJ), na qual um assassino em série está matando mulheres com nome de santas. Após ter seu carro arranhado, uma mulher andrógena (Juracy de Oliveira) se desespera achando ser a próxima vítima e vai até uma delegacia para pedir medida protetiva. De forma histérica ela tenta argumentar que será a próxima vítima do maníaco, mas o delegado (Thiago Carvalho) não lhe dá muita atenção, minimizando sua situação, tentando convencê-la a ir embora e que ela não é alvo do assassino. Uma cena que nos faz questionar até que ponto temos o direito de desconsiderar o que o outro está falando por achar exagero ou alucinação. Destaque para interpretação de Juracy de Oliveira, que traz um mundo drag ao palco de forma aguda, mesclando humor com dramaticidade.




Dia 24/10/2019

Um mergulho na rotina de um ator egocêntrico, uma viagem intensa e insólita. Originalmente concebido como cena curta, O Nunca Jamais Imaginado - Jansen Castellar (RJ), é um exercício cênico, um monólogo apresentado em um texto fluido, bem construído e consistente, que confunde e desafia o espectador a imaginar se tudo aquilo é real, se está ocorrendo em um set de filmagem ou se são apenas lembranças. A excelente interpretação de Jansen Castellar apreende e sequestra a atenção do público, que submerge junto na cena. Registro para homenagem aos artistas do Equador.



O Grupo Circo di Sóladies (SP) apresentou a cena de palhaçaria Não Pode Beijar Aqui, na qual uma violinista clássica (Kelly Lima) que toca música clássica para pessoas clássicas de uma sociedade clássica que se incomoda com amor/afeto/tesão/desejo (elas escolhem, são livres) das bailarinas (Tatá Oliveira e Verônica Mello) do seu corpo de baile, mas não espera a resistência e força da reação que recebe de volta. Uma cena divertida que faz a plateia extravasar, mandar o preconceito embora, ignorar tabus e chutar tradições.



A Cia Sal (SP) traz ao festival o trabalho espetacular Macacos. Apresentada pelo gigante Clayton Nascimento, a peça mostra a face perversa de nosso país sob o olhar da negritude. Em tom de manifesto, desabafo e relatos pungentes, denuncia o genocídio do povo negro em uma nação que opta oficialmente pelo esquecimento e pela busca de uma hipócrita e conveniente paz branca (saiba mais). A cena traz fatos históricos de 388 anos de escravidão oficial, passando pelo clareamento artificial de Machado de Assis, pela carne mais barata do mercado, pelo racismo estrutural até chegar à política de extermínio em 2019. Me fazendo lembrar de Abdias Nascimento, autor do clássico O Genocídio do Negro Brasileiro (saiba mais), Clayton Nascimento deixa o público perplexo e hipnotizado com sua interpretação visceral e intensa.



Lá vem ele com a cena Fumaça! O grandioso mágico, faquir e bufão apresenta em terras candangas sua arte, poder, mistério e magia. Não façam isso em casa! Com atuação hilária, expressão corporal peculiar bem trabalhada e construção de personagem interessante, Daniel Satin (SP/COL), leva o público ao delírio com números cômicos de mágica e escapismo.



Agradecimentos: Sérgio Maggio e Pedro Brandt.

Ficha técnica do festival:
https://www.brevescenas.com.br/imagens_site/Programacao_BC2019.pdf

Fotos: Felipe Ando Fotografia - 61-99912-2106, exceto cartaz (divulgação).

2 comentários:

  1. Quando a paixão está presente o resultado não pode ser outro: textos sensíveis e muito bem escritos. Presentes pra quem lê.

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