terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A Sentença – Fernando Guimarães – CCBB-DF – Em cartaz até 23/02/2020


Um assassinato de uma mãe. Um filho réu. Um júri. Dez pessoas. Uma Sentença. Uma orientação: em caso o réu só deve ser considerado culpado caso não haja qualquer dúvida, mesmo que razoável.




Inspirada em casos reais do nosso cotidiano, da banalidade diária do mal que vivemos, o espetáculo adentra no mundo das verdades absolutas, dos preconceitos, do egoísmo exacerbado, da culpa presumida, da indiferença, da falta de empatia e questiona o quanto nos importamos com a vida do outro.



A peça possui uma trama em tempo real muito bem construída que prende o público do início ao fim, foge do óbvio e consegue surpreender, deixando em xeque o que é certo e errado e nos fazendo caminhar sobre a linha tênue que separa um inocente de um culpado ou um culpado de um inocente. Destaque também para a rica variação entre humor, drama e reflexão, que se intercalam. O elenco, formado por alunos e ex-alunos do diretor, possui profissionais experientes e outros ainda em formação.



O cenário é clean e funciona bem, com algumas ressalvas a questão do tempo que os atores, pela peculiaridade da história, ficam sentados em cena; questão que foi amenizada nas cenas de argumentação. O figurino é impecável e realista. A iluminação por ser em tempo real acaba sendo pouco exigida e quando é funciona bem como no final do espetáculo.  A sonoplastia também possui músicas bem escolhidas.





Importante registrar a obra do autor e diretor da peça Fernando Guimarães, que junto com seu irmão Adriano Guimarães, faz parte ativamente da história e do presente da cena teatral em Brasília (saiba mais). Obrigado, Fernando, pela simpatia e disponibilidade observada no contato com a imprensa e com a crítica.

Viva o nosso Teatro!!!



Ficha técnica: clique aqui

Fotos: Thales Alves, Studio Sartory e divulgação

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Medeia, a Neta do Sol – Cia Brasilienses de Teatro - Espaço Cultural Renato Russo – DF - Em cartaz até 16/02/2020


Muita fumaça. Um sol ao centro. Sentamos em volta. Estamos diante dela, a neta do sol, Medeia de Eurípedes, o mais trágico dos trágicos, que em 431 a.C. apresentou a força de uma mulher dona de seu destino lutando contra o patriarcado (saiba mais).


Eurípedes trouxe diversas questões nesta peça tão antiga, com impressionante pioneirismo, tratando de feminismo, xenofobia, traição, revolta, cidadania, filicídio, a dicotomia entre o dever e a paixão, colocando os heróis dirigindo e decidindo as próprias vidas independente dos designos dos deuses, mesmo que se destruam por eles. Algo moderno, considerando inclusive o retrocesso que estamos vivendo nos dias de hoje.



Realizada no “Aquário” do Espaço Cultural, a peça de James Fensterseifer, adaptação de Medeia de Eurípedes, tem o mérito de conseguir trazer uma tragédia grega a um teatro intimista, de total proximidade com a cena, que acontece inclusive atrás dos assentos e nos corredores, fazendo com que os espectadores vivam a experiência de perto, quase dentro do palco.



A atriz Ana Paula Braga tem o talento e o potencial necessários para tão forte e singular personagem. As soluções cênicas são bastante interessantes e o revezamento dos atores entre os papéis masculinos funciona muito bem. Marcos Davi e Felix Saab conseguem realizar as trocas de personagens e transições em alguns momentos com auxílio de máscaras outros com caracterização por meio de expressões faciais e corporais bem trabalhadas, além da realização de diversos exercícios cênicos de qualidade.




Em relação à estreia, teço as seguintes observações: notei ausência de necessárias pausas  em algumas cenas da protagonista, que certamente estarão presentes durante a temporada; caso seja possível, sugiro testar outro tipo de material do círculo amarelo no meio do palco, bem como testar um figurino com as vestes fetichistas das fotos de divulgação; sugiro, ainda, que seja refletida a questão de buscar fazer o público sair do espetáculo mais perplexo e aterrorizado.


Parabéns ao grupo por manter a chama do Teatro viva, nos presenteando com uma história tão antiga quanto atual. Viva o nosso Teatro!!!


“Que flagelo é o amor para os mortais!” – Eurípedes, Medeia.





Ficha Técnica: link

Fotos: divulgação

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Saltimbancos – Agrupação Teatral Amacaca (ATA) – Direção de Hugo Rodas – Espaço Cultural Renato Russo – DF – Em cartaz até o dia 16/02/2020


Lá vem vindo, é Amacaca ... em celebração aos 80 anos do mestre Hugo Rodas, vem vindo Amacaca com seu time multicolorido, fazer a alegria do povo e nos alertar mais uma vez sobre a importância da união e da coletividade em meio ao crescente individualismo, que nos torna presas fáceis.




A montagem é uma releitura da peça apresentada pelo Grupo Pitú, vencedora do Prêmio do Serviço Nacional de Teatro em 1977 e marco cultural histórico de Brasília, que é, por sua vez, também uma releitura da famosa adaptação de Chico Buarque, que conta a célebre história de quatro animais explorados, que fogem para a cidade e montam uma banda.



Sem fantasia de animais, a Agrupação consegue fazer o público acreditar na ideia e enxergar os bichos com todas as características e expressões faciais e corporais, dando ainda mais veracidade cênica. O elenco formado por Rosanna Viegas, André Araújo, Abaetê Queiroz, Dani Neri, Luiz Felipe Pereira, Camila Guerra, Iano Fazio, Juliana Drummond, Nobu Kahi, Flávio Café, Diana Porangas e Gabi Correa como sempre está afiado e mostrando o melhor de cada um, colaborando com suas peculiaridades ao todo e impulsionando a energia da peça.




Com sonoplastia toda realizada ao vivo, a orquestra contagia e encanta o público já no hino de entrada. Não é todo dia que se vê em cena xilofone, violino, flauta transversal, metais, bateria, baixo, guitarra, violão, teclado e acordeon, que somados à dança, canto, acrobacias e interpretações destes artistas multifacetados fazem de Saltimbancos um espetáculo a ser saboreado tanto por crianças como por adultos em todas as suas vertentes. 




A direção do lendário Hugo Rodas é sempre incrível, uma aula de teatro. O seu trabalho, seu entusiasmo e sua fome de viver permeiam e se revelam em suas peças. É sempre emocionante vê-lo na primeira fila observando cada detalhe de cada apresentação. O foco na expressividade e na música cênicas chamam atenção, assim como algumas soluções cênicas da linda cena da noite estrelada e do embate contra os opressores.




Faço aqui pequenas observações sobre o espetáculo: em algumas raras situações, percebi que havia uma certa dificuldade dos atores de fazer o texto se sobressair em meio ao ambiente e entendo que, na cena da noite, o contraste com a luz pode ser um pouco mais explorado.  

Que a união, a fraternidade, a empatia e a perseverança que constituem a mensagem de Saltimbancos estejam sempre vivas entre nós, não importando se somos jumentos, cachorros, galinhas ou gatos, precisamos estar sempre juntos e fortes! Muito obrigado Hugo Rodas e ATA! Alegrias!!!




Ficha técnica: clique aqui

Site do ATA: http://amacaca.com.br/

Agradecimento: Max Lage

Fotos: Diego Bresani, exceto em preto e branco

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Hiato – Espaço Cultural Renato Russo – DF


Um recado: O Ministério da Cultura não apresenta este espetáculo, porque não temos mais Ministério da Cultura.

Na entrada um pedido: Parem de nos matar!


Em tempos sombrios, somos avisados que o espetáculo só foi realizado graças à amorosidade e colaboração afetiva de toda equipe. Que tempos! Tempos de hiperconexão, superexposição, superestimulação, pressão exacerbada por desempenho, cobranças demasiadas, dívidas demais, desespero, angústia ... PAUSA ... ou não conseguiremos chegar a lugar algum, a não ser ao não lugar.



Somos recebidos pela dança de Larissa Salgado em um cenário belo, embora sombrio, com uma mesa gigante que por si só pode indicar a solidão de quem se serve nela, galhos retorcidos pendurados como lustres, um jogo de xadrez humano, luzes vintage, incenso ... até que de repente estamos frente a frente, face a face, com a Lady Depression, sedutora, lasciva, faminta por almas...dona da estrada rumo ao hiato.



Hiato é um espetáculo que traz à tona o debate sobre saúde mental, ansiedade, depressão, síndrome de burn out e suicídio, assuntos que são tabus em nossa sociedade, mas que precisam ser discutidos e entendidos para que as pessoas não se sintam ainda mais sozinhas do que já estão. É um assunto íntimo trazido ao palco para uma reflexão coletiva em um momento de epidemia e aumento significativo de casos.



O texto de Arthur Tadeu, elaborado a partir de longa pesquisa e assessoria de profissionais especializados, trata de forma inteligente deste problema social do nosso cotidiano, buscando humanizar a questão, sem julgamento sobre as pessoas que decidiram por diversos motivos chegar ao fim da estrada, à fenda, ao hiato. A peça faz a clara opção pela poesia e a arte para jogar luz no tema de forma mais suave, o que se reflete na iluminação cênica, deixando em segundo plano o choque e o impacto que costumamos sentir quando falamos sobre isso.



As atuações de Arthur Tadeu e Larissa Salgado, que se revezam em diversas personagens, são fortes. Larissa Salgado, que tem como trunfo o trabalho de seu corpo cênico e a colocação de sua voz, está excelente na pele de Lady Depression. Arthur Tadeu é um ator com estilo próprio que consegue passar suavidade e humanidade necessária ao texto, mesmo em meio ao total desespero. Em alguns momentos se percebe uma necessidade de equilíbrio de energia cênica entre os atores e uma certa necessidade de ir além nas atuações, vivenciando e saboreando mais a fundo as personagens, algo que entendo que deva ser aprimorado na temporada.


A peça ainda resgata a memória do poeta português Mário de Sá-Carneiro (saiba mais), contemporâneo de Fernando Pessoa.


A direção de Andrea Alfaia caminha com a peça, que flui naturalmente e, mesmo com o peso do tema, o tempo passa muito rápido e de forma suave. A sonoplastia, embora tenha a sincronia necessária, ainda precisa de raros ajustes nas entradas e transições.


Parabéns ao grupo, por fazer emergir este assunto tão individual e tão coletivo ao mesmo tempo. O teatro é um campo fértil de debate e de reflexões. Peças como Hiato são necessárias, a sociedade precisa de vocês.


 “Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode encontrar respostas para os problemas que a afligem.” – Zygmunt Bauman




Ficha Técnica: link

Fotos: Juliana Caribé

Agradecimento: Max Lage