sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Hiato – Espaço Cultural Renato Russo – DF


Um recado: O Ministério da Cultura não apresenta este espetáculo, porque não temos mais Ministério da Cultura.

Na entrada um pedido: Parem de nos matar!


Em tempos sombrios, somos avisados que o espetáculo só foi realizado graças à amorosidade e colaboração afetiva de toda equipe. Que tempos! Tempos de hiperconexão, superexposição, superestimulação, pressão exacerbada por desempenho, cobranças demasiadas, dívidas demais, desespero, angústia ... PAUSA ... ou não conseguiremos chegar a lugar algum, a não ser ao não lugar.



Somos recebidos pela dança de Larissa Salgado em um cenário belo, embora sombrio, com uma mesa gigante que por si só pode indicar a solidão de quem se serve nela, galhos retorcidos pendurados como lustres, um jogo de xadrez humano, luzes vintage, incenso ... até que de repente estamos frente a frente, face a face, com a Lady Depression, sedutora, lasciva, faminta por almas...dona da estrada rumo ao hiato.



Hiato é um espetáculo que traz à tona o debate sobre saúde mental, ansiedade, depressão, síndrome de burn out e suicídio, assuntos que são tabus em nossa sociedade, mas que precisam ser discutidos e entendidos para que as pessoas não se sintam ainda mais sozinhas do que já estão. É um assunto íntimo trazido ao palco para uma reflexão coletiva em um momento de epidemia e aumento significativo de casos.



O texto de Arthur Tadeu, elaborado a partir de longa pesquisa e assessoria de profissionais especializados, trata de forma inteligente deste problema social do nosso cotidiano, buscando humanizar a questão, sem julgamento sobre as pessoas que decidiram por diversos motivos chegar ao fim da estrada, à fenda, ao hiato. A peça faz a clara opção pela poesia e a arte para jogar luz no tema de forma mais suave, o que se reflete na iluminação cênica, deixando em segundo plano o choque e o impacto que costumamos sentir quando falamos sobre isso.



As atuações de Arthur Tadeu e Larissa Salgado, que se revezam em diversas personagens, são fortes. Larissa Salgado, que tem como trunfo o trabalho de seu corpo cênico e a colocação de sua voz, está excelente na pele de Lady Depression. Arthur Tadeu é um ator com estilo próprio que consegue passar suavidade e humanidade necessária ao texto, mesmo em meio ao total desespero. Em alguns momentos se percebe uma necessidade de equilíbrio de energia cênica entre os atores e uma certa necessidade de ir além nas atuações, vivenciando e saboreando mais a fundo as personagens, algo que entendo que deva ser aprimorado na temporada.


A peça ainda resgata a memória do poeta português Mário de Sá-Carneiro (saiba mais), contemporâneo de Fernando Pessoa.


A direção de Andrea Alfaia caminha com a peça, que flui naturalmente e, mesmo com o peso do tema, o tempo passa muito rápido e de forma suave. A sonoplastia, embora tenha a sincronia necessária, ainda precisa de raros ajustes nas entradas e transições.


Parabéns ao grupo, por fazer emergir este assunto tão individual e tão coletivo ao mesmo tempo. O teatro é um campo fértil de debate e de reflexões. Peças como Hiato são necessárias, a sociedade precisa de vocês.


 “Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode encontrar respostas para os problemas que a afligem.” – Zygmunt Bauman




Ficha Técnica: link

Fotos: Juliana Caribé

Agradecimento: Max Lage

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