Um recado: O Ministério
da Cultura não apresenta este espetáculo, porque não temos mais Ministério da
Cultura.
Na entrada um pedido: Parem de
nos matar!
Em tempos sombrios, somos
avisados que o espetáculo só foi realizado graças à amorosidade e colaboração
afetiva de toda equipe. Que tempos! Tempos de hiperconexão, superexposição,
superestimulação, pressão exacerbada por desempenho, cobranças demasiadas, dívidas
demais, desespero, angústia ... PAUSA ... ou não conseguiremos chegar a lugar
algum, a não ser ao não lugar.
Somos recebidos pela dança de
Larissa Salgado em um cenário belo, embora sombrio, com uma mesa gigante que
por si só pode indicar a solidão de quem se serve nela, galhos retorcidos
pendurados como lustres, um jogo de xadrez humano, luzes vintage, incenso ...
até que de repente estamos frente a frente, face a face, com a Lady Depression,
sedutora, lasciva, faminta por almas...dona da estrada rumo ao hiato.
Hiato é um espetáculo que traz à
tona o debate sobre saúde mental, ansiedade, depressão, síndrome de burn out e
suicídio, assuntos que são tabus em nossa sociedade, mas que precisam ser
discutidos e entendidos para que as pessoas não se sintam ainda mais sozinhas
do que já estão. É um assunto íntimo trazido ao palco para uma reflexão
coletiva em um momento de epidemia e aumento significativo de casos.
O texto de Arthur Tadeu, elaborado a partir de longa pesquisa e assessoria de profissionais especializados, trata
de forma inteligente deste problema social do nosso cotidiano, buscando
humanizar a questão, sem julgamento sobre as pessoas que decidiram por diversos
motivos chegar ao fim da estrada, à fenda, ao hiato. A peça faz a clara opção
pela poesia e a arte para jogar luz no tema de forma mais suave, o que se
reflete na iluminação cênica, deixando em segundo plano o choque e o impacto
que costumamos sentir quando falamos sobre isso.
As atuações de Arthur Tadeu e
Larissa Salgado, que se revezam em diversas personagens, são fortes. Larissa
Salgado, que tem como trunfo o trabalho de seu corpo cênico e a colocação de
sua voz, está excelente na pele de Lady Depression. Arthur Tadeu é um ator com
estilo próprio que consegue passar suavidade e humanidade necessária ao texto,
mesmo em meio ao total desespero. Em alguns momentos se percebe uma necessidade de equilíbrio de energia cênica entre os atores e uma certa necessidade de ir
além nas atuações, vivenciando e saboreando mais a fundo as personagens, algo que entendo
que deva ser aprimorado na temporada.
A peça ainda resgata a memória do
poeta português Mário de Sá-Carneiro (saiba mais), contemporâneo de Fernando Pessoa.
A direção de Andrea Alfaia caminha com a peça, que
flui naturalmente e, mesmo com o peso do tema, o tempo passa muito rápido e de forma
suave. A sonoplastia, embora tenha a sincronia
necessária, ainda precisa de raros ajustes nas entradas e transições.
Parabéns ao grupo, por fazer
emergir este assunto tão individual e tão coletivo ao mesmo tempo. O teatro é um
campo fértil de debate e de reflexões. Peças como Hiato são necessárias, a sociedade
precisa de vocês.
“Nenhuma sociedade que esquece a arte de
questionar pode encontrar respostas para os problemas que a afligem.” – Zygmunt Bauman
Ficha Técnica: link
Fotos: Juliana Caribé
Agradecimento: Max Lage
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