sábado, 19 de outubro de 2019

The Letter – Paolo Nani (Itália/Dinamarca) – Caixa Cultural – DF



Um ator. Uma mesa. Uma cadeira. Uma garrafa de vinho. Uma caneta sem tinta. Um papel. Um envelope. A intenção de beber e de escrever uma carta. O suficiente para o grande clown italiano Paolo Nani desenvolver quinze variações da mesma cena.


O premiado espetáculo, estreado em 1992, passou por quase 40 países, se transformando em um cult do teatro gestual. A experimentação cênica baseada no livro Exercício de Estilo do poeta e escritor francês Raymond Queneau é conduzida com maestria pelo bufão.




A expressão corporal e facial de Paolo Nani não deixam dúvidas de que é um artista completo, uma aula cênica. Seu carisma e simpatia o fazem controlar de forma hipnótica o público, que participa ativamente das cenas e não para de rir nem de se divertir durante toda a performance. O que ocorre de forma progressiva, até que toda a plateia esteja completamente envolvida em uma catarse coletiva. Não há um momento monótono sequer. A identificação do público é imediata, é o humano transcendendo a forma de clown. Algo que cada um de nós tem guardado dentro de si, um espelho.





Destaque para as homenagens ao cinema mudo, à arte circense, aos filmes de faroeste e de terror, além da insólita cena realizada sem as mãos.





Paolo Nani é um virtuose, um mago da técnica teatral, que faz algo extremamente difícil e árduo do ponto de vista físico e artístico parecer algo simples e orgânico. Coisa de gênio, que quando precisa improvisar, o faz de forma natural.  




Um trabalho imperdível com a assinatura de um grande mestre!



Agradecimento: Jaqueline Dias (Tato Comunicações).

Fotos: Nityama Macrini, exceto cartaz (divulgação).

sábado, 12 de outubro de 2019

Esperando Zumbi – Cristiane Sobral – Teatro SESC Garagem – DF



Sala de espera de um dos maiores palcos da resistência da arte em Brasília. O público não para de chegar. A diversidade e a pluralidade estampada nos rostos e nas roupas, sem rótulos, sem barreiras. Simplesmente pessoas, ávidas para esperar por Zumbi.



Peço licença ao adentrar.

A montagem conta a história de uma mulher negra que espera por seu homem, um negro alto, forte e bonito. Zumbi. Vocês vão ver quando Zumbi chegar.



Escrita, dirigida e interpretada por Cristiane Sobral, “Esperando Zumbi” é uma peça-manifesto que possui fortes críticas sociais, com recortes da atualidade, que nos fazem lembrar e relembrar quantas vezes forem necessárias da eterna luta contra o colonialismo, o preconceito, o machismo, a cultura do estupro, a intolerância religiosa, a perseguição política, o genocídio do povo negro, a desigualdade social, o ataque às minorias e todas as questões urgentes, apesar de permanentes, que não são resolvidas, porque nosso país adota oficialmente o esquecimento e a manipulação da nossa História.



Impossível não se impressionar com a presença de palco de Cristiane Sobral, representando a força da mulher negra com garra e talento. Seu trabalho corporal e postura ao interpretar tanto a protagonista quanto os guias (Dona Maria Navalha, Seu Arranca Toco e Zé Pilintra) são marcantes.



A quebra constante da quarta parede e a interatividade com o público deixam o espetáculo ainda mais vivo e tocante. São constantes os momentos de emoção tanto da plateia quanto da artista, movendo a energia do teatro para cima, sempre de forma positiva, mesmo tratando de situações difíceis. De arrepiar e marejar os olhos. Como é importante ver a cultura afro-brasileira sendo representada em posição de destaque. Uma cultura que merece ser celebrada, preservada, defendida e respeitada, sempre.



A banda de apoio, composta por Ana Béa, Dani Vieira e Marcelo Café, apresenta uma trilha sonora genuína e contagiante interpretada por vozes lindas e harmônicas, dando o ritmo e a sonoridade ao espetáculo, trazendo o terreiro e o mundo dos orixás e guias ao teatro. Parafraseando Marcelo Café, uma maravilhosidade.



Não tenhamos medo nem receio, estamos juntos esperando Zumbi chegar. E dessa vez, não vamos deixar de jeito nenhum os homens de bem matá-lo! Vai ter luta! Por que, seja Ogum, Oxum, Oxóssi, Oxumaré ou outro; quem tem um orixá, tem tudo!




Salve Zumbi!

Destaque para os prêmios e seleção em festivais, além da publicação na Antologia de Dramaturgia Negra (FUNARTE). http://www.funarte.gov.br/artes-integradas/funarte-lanca-livro-com-textos-de-autores-teatrais-negros/.

Viva a representatividade! Axé!

Ficha técnica:
Atriz, diretora e dramaturga: Cristiane Sobral 
Músicos: Ana Béa, Dani Vieira e Marcelo Café 
Fotos de divulgação: Victor Martiz
Fotos do espetáculo: Raíssa Tuany
Maquiagem: Paulo
Assessoria de Imprensa: Davi Mello
Iluminação: Larissa Souza;
Designer e Assistente de Produção: Ricardo Caldeira






sábado, 5 de outubro de 2019

Deixe a luz da varanda acesa – Ocupação Espaço Cena – DF



“Deixe a luz da varanda acesa” é uma peça lírica, uma poesia encenada em cima de memórias, lembranças e laços familiares. Escrita por Áurea Liz, lembra a visita a uma velha amiga, com quem temos tanto a conversar após longa ausência. É um tema universal. Cada um de nós tem essas lembranças guardadas e essa nostalgia.

Entramos pelo quintal da casa, em meio a um varal repleto de colchas e roupas, até chegarmos a uma casa simples e aconchegante, com um cenário que lembra um tempo que não volta mais. Nessa viagem ao passado, repleta de objetos de nossas infâncias, o clima intimista dá o tom do espetáculo. Estamos ali, presenciando o reencontro de Verônica (Lilian França) com a sua madrasta Rita (Áurea Liz), companheira de sua mãe.


Por não suportar o peso do preconceito de ser filha de uma mulher que é feliz vivendo uma relação homoafetiva, Verônica sai de casa. Muitos anos depois, voltando de outro país, onde buscou a felicidade, lutou por seus sonhos e conseguiu se formar, está ali de surpresa, de repente, para rever Rita e sentir o cheiro da terra e demais aromas peculiares daquela casa, que também chegam ao espectador. 


Em um clima conflituoso, porém gostoso e saudável, cheio de amor e carinho, estamos ali, pensando em como é bom ter aquela conversa, tomar café, comer bolo e comer aquele pão quentinho com quem gosta da gente e não vemos há muito tempo. Com todo o afeto e todos os conflitos são momentos que nos fazem refletir e repensar tudo que aconteceu, onde estamos e para onde vamos. A peça acerta na questão de nos levar em um passeio às nossas memórias.


Algumas passagens e soluções cênicas são bem interessantes: objetos de memórias, leitura de cartas inusitadas, fazer café, conversar na varanda e as diversas camadas de lembranças, que se completam com a trilha sonora.



Foi comovente observar a entrega das atrizes, que visivelmente se emocionam durante o espetáculo.

Importante destacar que a peça venceu os Prêmios de Melhor Espetáculo e Melhor Atriz no II Festival de Teatro de Bolso 2019 – DF.

Destaque também para a montagem da peça no CRAS de Ceilândia e no Lar dos velhinhos, fico imaginando a emoção que sentiram tanto o público como os artistas e a equipe técnica (http://www.tmmagazine.com.br/amp/espetaculo-deixe-luz-da-varanda-acesa-em-temporada-por-cras-do-df-e-no-canto-da-auge).

Em clima nostálgico, fiquei comovido ao saber que a consagrada atriz Verônica Moreno, falecida em 2015, interpretaria Rita e que a atriz/dramaturga Áurea Liz assumiu o papel para homenageá-la. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2019/06/14/interna_diversao_arte,763023/deixe-a-luz-da-varanda-acesa-brasilia.shtml



Não importa por onde andemos, por qual caminho percorremos, citando Chaplin: “Quando me for, levarei um pouco de ti e deixarei um pouco de mim”.  

Fotos: Diego Bressani, exceto da atriz Verônica Moreno (divulgação).

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Manhã – Grupo Domo – Teatro Plínio Marcos – Funarte - DF


 Foto: Ana Larissa

Eu tinha me programado para escrever sobre outra peça, até saber que o espetáculo “Manhã” estava sendo atacado pelo discurso de ódio de pessoas que, em pleno século XXI, ainda não entenderam o que é respeito, pluralidade, diversidade, individualidade e liberdade. Quis o destino que eu presenciasse a última apresentação. A despedida. No dia de aniversário de Plínio Marcos, 29 de setembro, no teatro que leva seu nome, no Complexo da Funarte, casa dos artistas que, por ora, está sendo gerida por pessoas antiartistas, anticultura, enfim, antipovo.

Fundado em 1994 pelo ator, diretor e dramaturgo André Garcia, o Grupo Domo realiza pesquisas no teatro autoral e reflexivo. Uma arte renovada como cada manhã que surge, sem deixar de trazer experiências de outrora.

Foto: Flora Negri

“Manhã” é uma peça sobre seres humanos. Com a urgência da necessidade de ser feliz, de buscar seu espaço, de ter liberdade de escolhas, de viver, de ter privacidade. De tão humana, a peça acolhe os espectadores de uma forma surpreendente, cativando o público e fazendo do teatro um espaço de comunhão, mostrando que o amor é um tema universal.

Foto: Edmir Amanajás

Contando a história de uma relação em crise, “Manhã” se passa em uma única noite. Quando alguém toma coragem e desejando dar um basta na situação, dá um ultimato para o outro decidir antes que amanheça. Antes do maior espetáculo da terra, uma chuva de meteoros.

Foto: Edmir Amanajás


A peça apresenta uma reflexão bem humorada, espirituosa e íntegra sobre a união homoafetiva, mostrando a luta pelo respeito e representatividade, a conquista do espaço e o enfrentamento ao preconceito e à discriminação, tanto socialmente, como internamente.

Foto: Milla Russi

Embora o beijo fosse interrompido por buzinas. Teve beijo SIM. Assim como teve cena de sexo entre dois homens nus, SIM. E tudo isso é importante, SIM. Para mostrar que o amor, o afeto e o sexo são universais e precisam ser representados nas artes, na cultura, no cotidiano. As pessoas não vão deixar de existir, nem de viver o que desejam por que alguns não querem. Gente existe para ser feliz!!!

Foto: Milla Russi

Parabéns ao Diretor, Ator e Dramaturgo André Garcia, pela peça, atuação, coragem, força e leveza. Seu discurso de encerramento foi emocionante. A arte sempre vai vencer!  

Parabéns ao ator Bruno Estrela pela entrega, vontade e talento.

Interessante a solução cênica utilizando personagens sombras e coringas inspiradas na figura do koken do Teatro Noh japonês, interpretadas pelos atores Leudo Lima e Guilherme Victor, que contribuíram para o desenvolvimento das cenas, passando de simples ajudantes de cena a personagens vivos e fundamentais.

Foto: Milla Russi

Foto: Edmir Amanajás


Por fim, uma frase do aniversariante da noite: “A POESIA, A MAGIA E A ARTE ... AS GRANDES SABEDORIAS NÃO PODEM HABITAR CORAÇÕES MEDROSOS”.  
  

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Antígona, ensaio sobre a tirania - Teatro do Exílio - Espaço Cultural Renato Russo


Foto: André Fernandes

O Teatro do Exílio apresenta Antígona, um ensaio sobre a tirania. Uma adaptação da peça escrita por Sófocles em 442 a.c, que retrata a luta de Antígona para enterrar seu irmão, desafiando o Rei Creonte (https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-tragedia-na-peca-teatral-antigona-sofocles.htm).

O Grupo, que foi criado em 2013 na Universidade de Brasília com o nome de Coletivo Calcanhar de Aquiles, realiza pesquisa da atualidade da tragédia como gênero dramático. Trazendo o texto de Sófocles para os nossos dias, consegue mostrar a essência do clássico acrescentando camadas de atualidade e realidade que vão se sobrepondo.

Tebas - antiguidade, Brasil 1964, Brasil - dias atuais.

Como Creonte, os governos totalitários ou mesmo um fascista que foi eleito “democraticamente” tem a necessidade de usar a autoridade como um recurso de decisão para manter a ordem. Governando por decretos ou comprando votos, sem ouvir o povo, com idiossincrasias e ideologias vazias, estes presidentes deixam facilmente de serem chefes de governo para virarem tiranos, agindo sob a subjetividade e as preferências pessoais, esquecendo que nenhum governante pode ultrapassar os limites que violam a sociedade.

                                                                                  Foto: André Fernandes

Nossa heroína, uma Antígona da periferia que reivindica por seus direitos, vem nos lembrar de que sempre precisamos lutar contra o totalitarismo, contra o fascismo, contra regimes militares, contra preconceitos, contra ataques às minorias, contra injustiças, contra prisões políticas e demais arbitrariedades. Ela vem nos lembrar da necessidade da desobediência civil quando o obscurantismo e o totalitarismo querem nos engolir. Mesmo que o risco seja a morte, devemos lutar como uma Antígona!

                                                                                   Foto: Tonhão Nunes

Fumaça, sombras, luzes de holofotes estrategicamente colocados. Obscuridade. Uma banda de rock com som psicodélico. A plateia na berlinda. O palco fora, a plateia dentro. O público restrito, confinado em um quadrado. Cheiro de sangue. Afogamentos. A tensão no rosto da plateia é permanente. Chega a impressionar a reação de alguns à opressão que sentimos. O sentimento ruim de presenciar um regime totalitário covarde, em um Estado que deveria existir para evitar a dissolução da sociedade, mas que se comporta de forma marginal e clandestina, movida por vontades pessoais do governante. Sem diversidade. Sem pluralidade. Sem direitos fundamentais individuais.

                                                                          Foto: Renata Rubia Fernandes
                                                                                   

Peça urgente e potente. Viva. Feita com “sangue nos olhos”. Convida-nos a refletir sobre as consequências de sermos educados a sempre obedecer. Qual o limite da covardia? Qual o limite da aceitação? Quando dizer basta? Embora esteja em curso um projeto de fazer nosso povo acreditar, jamais o Estado estará acima de tudo, nem Deus acima de todos.

                                                                                     Foto: Dani Souza

Sob a direção orgânica de Bárbara Figueira, que atua como o profeta cego Tiresias, a peça será apresentada em breve em diversas cidades satélites, levando o teatro e suas questões onde o povo está. Nosso povo, que precisa tanto ser continuamente relembrado do que aconteceu para que sejam evitadas novas ditaduras requentadas, perdas de direitos e opressões.

Somos todos Antígona!!!

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O Amor vai te foder um dia - Casa de Ferreiro/Bruno Estrela - Teatro Oficina Perdiz



Plínio Marcos é um gênio do teatro mundial, que inovou e quebrou paradigmas, trazendo ao palco e colocando debaixo do holofote pessoas e questões que não interessavam e continuam a não interessar à maioria. O próprio Plínio ironizava, ao afirmar que suas peças virariam clássicos se o país não mudasse. E, conforme previsto, viraram.



Navalha na Carne, estreada em 1967 em plena Ditadura Militar, é a matéria prima para a livre adaptação da peça da Casa de Ferreiro Companhia de Teatro, que mergulha na história de Neusa Suely, a puta, a acabada, a destruída, a explorada por Vado. É um grande manifesto contra a violência emocional às mulheres proveniente de relacionamentos abusivos, um trabalho intenso de pesquisa da Companhia e do Diretor Bruno Estrela, que mescla o texto original com texto autoral e depoimentos de mulheres abusadas, em um trabalho que merece novos palcos.



Pague, receba “amor” em troca, um ingresso em forma de coração. Isso é amor?

Transportados para o palco da vida, nas quebradas do Mundaréu, estamos sentados na mesa de um bar, com cervejas em volta, carros cantando pneu, o barro de Brasília, putas e cafetões contando suas vidas de merda, mendigos catando lixo e temendo pelo pior. Aqueles excluídos, invisíveis, marginais e miseráveis a quem Plínio Marcos deu tanta voz e por isso foi diversas vezes censurado. Será que eles são gente?



Após o choque inicial, continuamos em estado de atenção para vivermos de perto o abuso, a covardia, o desrespeito, o machismo, tão infelizmente cotidianos, culturalmente arraigados em nossa sociedade. Isso vai mudar?



A peça em diversos momentos surpreende o público, com soluções como em um metatexto que joga com a possibilidade de estarmos vivenciando uma preparação de atores, passando por debates importantes e a desconstrução do macho predador. Isso é vingança?



As fases da vida de Neusa Suely, as diversas Neusas Suelys, dão ao público a possibilidade de reflexão ao mesmo tempo em que emociona e o faz se solidarizar com a dor delas, com suas vidas suspensas, degradadas; são muitas as infelizes, vitimadas, desumanizadas. A vida nua e crua. Independentes da idade todas foram fodidas pelo amor. Tem alguma dúvida que o amor vai te foder um dia?



Parabéns aos atores Bile Zampaulo, Du Oliveira, Élder de Paula, Gabriel Fernandes, Juliana Cavallari, Luís Ferrara, Madelon Cabral, Samuel Mairon, Silvia Mello, Silvia Viana, Tati Santana, Tina Carvalho, e Yeda Gabriel, que captaram a necessidade de fazer o público sentir o soco no estômago e as mais diversas sensações e emoções.

Parabéns ao Diretor Bruno Estrela pelo seu trabalho talentoso, criativo e obstinado no Teatro independente de Brasília.

Como Plínio Marcos, um repórter de um tempo mau, vocês não fazem teatro para o povo, mas em favor do povo, para incomodar os que estão sossegados.



Fotos: Eulenk Fotografia
Fotógrafa: Ellen Carvalho
Instagram: @eulenkfotografia
Telefone para contato: 61 9811-80431

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Aux Pieds de la Lettre - Companhia Dos à Deux (Brasil/França) – Caixa Cultural – DF




Ter a oportunidade de assistir à Companhia Dos à Deux é sempre um privilégio e um prazer. Com um repertório de primeira linha baseado em pesquisas gestuais, o Grupo fundado em Paris em 1998, por André Curti e Artur Ribeiro, apresenta o quarto espetáculo de onze já montados http://www.dosadeux.com/?article160&lang=pt_br.



Escrever sobre peças do repertório da Companhia Dos à Deux é um grande desafio. Ao assistir, ficamos com a sensação imediata de que temos mais perguntas que respostas, mais dúvidas que certezas. Após uma reflexão mais profunda, que depende da vontade do espectador, passamos a entender com mais clareza os momentos que vivemos na plateia, como uma penumbra que vai se movendo e começamos a sentir que estávamos diante de uma obra de arte bem construída com uma marca própria e uma assinatura.



“Aux Pieds de la Lettre” é espetáculo atemporal, sempre atual, montado pela primeira vez em 2001,  que teve como base de pesquisa trabalhos artísticos desenvolvidos no Instituto Psiquiátrico Marcel Rivière (França). http://www.dosadeux.com/?article24&lang=pt_br

O mundo dos sonhos, da loucura e da imaginação, tudo isto está presente e vivo no espetáculo. O desejo de liberdade das personagens confinadas é latente, são como verdadeiras marionetes burlescas que tem a necessidade obsessiva e solidária de dar vazão aos seus desejos e manias. É a poética da loucura nos fazendo pensar na possibilidade do insólito.



O trabalho corporal é ponto alto da peça. Não é nada simples passar mais de uma hora em cena, atuando sem interrupção com uma coreografia e um sincronismo com níveis impressionantes de detalhes. Os movimentos são absolutamente perfeitos e orgânicos e em compasso com a trilha sonora, a iluminação e sonoplastia.




O cenário é composto por uma mesa versátil que participa das cenas e se transforma em diversos objetos que vão das necessidades mais básicas à redenção, além de uma bacia de água com diversas cartas rejeitadas em volta e cordas puxadas por roldanas que permitem as personagens fazerem trocas com o mundo externo.



Obrigado à Companhia Dos à Deux pelo presente no dia do Teatro. Parabéns pela arte, trabalho e profissionalismo que marcam a trajetória do grupo. Parabéns por encararem de frente o obscurantismo e montarem um espetáculo tão belo em tempo tão curto para produzir e divulgar, como no teatro gestual jamais calarão a Cultura.

Observação ao público: sugiro que se familiarize antes com a peça, lendo a ideia central no link da companhia, tendo em vista que se trata de teatro gestual,: http://www.dosadeux.com/?article163&lang=fr.

E lembre-se: “Quem vê o céu na água, não está longe de colocar os peixes nas árvores.”

Teatro da Caixa Cultural Brasília
Dias e horários: de 19 a 21 de setembro de 2019, às 20h, e dia 22, às 19h.

Fotos: Divulgação.