domingo, 18 de junho de 2023

Ficcões – Vera Holtz

    

Uma peça épica, na qual os heróis somos nós, homo sapiens, com toda a nossa fragilidade exposta em um palco. O ser humano, aquele que pela capacidade de inventar tomou conta do planeta em busca de sobreviver e essa capacidade de imaginar, criar, crer e fazer crer que nos trouxe até aqui, do caos a um aglomerado de células, do acumulado de sonhos a um mundo cheio de coisas inventadas, ficções

    Inspirada no livro Sapiens, uma breve história da humanidade, de Yuval Noah Harari, a peça apresenta ao público um recorte da obra, conduzindo à reflexão sobre nossa própria existência e sobre tudo o que nos cerca: leis, dinheiro, pátria, fronteiras, nações, religiões, deuses, ideologias, filosofias, sistemas de crenças, ficções


    Vera Holtz se inventa e se reiventa em cena, multiplicando identidades, sendo ela mesma o tempo todo, em uma interpretação de fragmentação, uma atriz de primeira grandeza e performer, deus e homem, trigo e fóssil, primata e asno, dona de casa e nômade, ela se estabelece em cena, realizando um pacto com o espectador ao explodir a quarta parede, em um espetáculo íntimo e cooperativo, que também está em constante construção, ficções.


    O trabalho de Rodrigo Portella (autor e diretor) e Felipe Heráclito (idealizador) é muito cuidadoso. Além da preparação de Vera e do texto, chama atenção o cenário, composto por uma pedra gigante que viaja durante a peça e por uma moldura que enquadra e desenquadra nossa breve história. Acompanhando tudo isso, a trilha sonora é feita ao vivo, pelas cordas de sons belos e limpos de Federico Puppi, que participa das cenas de diversas formas, assim como sua música que traz novas camadas ao espetáculo, duelando contra o silêncio, ficções.


    O feminino é visível em cena, mesmo que não seja perceptível a olho nu a todos, em uma luta contra a ordem patriarcal, aquela mulher tão forte representando todos nós em nosso caminhar através dos tempos; a força da mulher que em sua viagem teatral, nos convidou a mergulhar em nós mesmos, fugindo da automatização do pensamento em busca de novos caminhos, novas f(r)icções, isto não é ficção.

Ficções é uma peça que transcende o palco.


    Ingressos: clique aqui

    Instagram da peça: clique aqui

    Agradecimentos: Kátia Turra (Tátika Turra Comunicação)

    Fotos: Divulgação



    Nota para a despedida, dia 10/06/2023, de um gigante do nosso Teatro, Alexandre Ribondi, que do alto de seus 50 anos de cena, sempre recebia todos com um belo sorriso e carinho, acolhendo todos que o procurassem. Um grande artista e uma grande pessoa, cheio de projetos culturais e sempre lutando bravamente pelos direitos da comunidade LGTQIAP+.

    Vai fazer muita falta!

    Que o seu legado siga nos inspirando.

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Nasci para ser Dercy, com Grace Gianoukas – Teatro Unip



    De Madalena para o Mundo, a trajetória de Dolores Gonçalves Costa, a eterna Dercy Gonçalves, que se materializa em cena de forma humanizada, divertida e emocionante, na memorável e grandiosa atuação de Grace Gianoukas. Um trabalho de pesquisa intenso e de muita coragem, que tem o mote na história de uma atriz que vai fazer um teste para interpretar Dercy em um filme e não gosta do roteiro.

    A peça começou a tomar forma com o convite do dramaturgo e diretor à atriz, que de início estranhou e se questionou sobre a possibilidade de dar certo, mal sabendo que o espetáculo estouraria e rodaria pelo país, com perspectivas de ficar muito tempo em cartaz. Um projeto lindo, certeiro e arrebatador, que joga luz em uma das maiores personalidades do país e que teve poucas homenagens à sua altura como esta.

   Da luta para sair de sua pequena cidade no interior por ser rejeitada e atacada apenas por ser diferente, passando pelo Teatro de Revista, o enfrentamento contra a ditadura, o cuidado com a sua filha, as histórias de vida de uma mulher pioneira em várias frentes, no emponderamento feminino à revolução no mundo do teatro. Dercy foi uma mulher muito além de seu tempo e do que o imaginário popular enxergava, e isso é mostrado muito bem em palco, passando a limpo e dando a chance ao público de expandir seus conceitos sobre ela, rir, se emocionar e refletir.

    Muito além também, é a interpretação de Grace Gianoukas, que passeia em cena transitando da atriz que vai fazer o teste para interpretar Dercy até ser tomada de forma crescente pela lenda. Impressiona a transmutação em fração de segundos, uma troca de luz, um piscar de olhos e estávamos diante da personagem que ela queria, não só de Dercy, mas de outros que contracenavam no monólogo. Nota para o domínio da cena e do público, para o controle ao contracenar com a voz em off. Sempre rompendo padrões e expectativas, assim como Dercy, Grace Gianoukas é uma das grandes artistas deste país.

    A parte técnica funciona muito bem também. O cenário com os holofotes e o letreiro ajudam a contar a história de uma mulher que nasceu para ser livre e para brilhar. A comédia como escudo contra a tristeza, a hipocrisia e o preconceito. Que falta que ela faz e como é bom ter presenciado esses momentos. E quem não gostou que vá à merda!

    Grace Gianoukas nasceu para ser Dercy!



    Instagram da peça: clique aqui

    Agradecimentos: Rodrigo Machado (Território Comunicação) e André Deca (Deca Produções

    Fotos: Divulgação

Dicas culturais em Brasília - Junho/2023

 

CCBB Brasília
25/05 a 11/06/2023




SESC Sílvio Barbato - SCS
06 e 07/06/2023





Caixa Cultural Brasília
07/06/2023




Teatro Mapati
09 e 10/06/2023




Teatro de Sobradinho
09 e 10/06/2023




11/06/2023
Escola de Música de Brasília - 602 Sul





CCBB Brasília
15/06 a 09/07/2023





Sesc Garagem - 913 Sul
16 a 18/06/2023





Teatro Royal Tulip
17 e 18/06/2023





Miseráveis, o Musical
Escola de Música de Brasília - 602 Sul
24 e 25/06/2023










Produtoras parceiras:


Programação completa dos espaços culturais de Brasília:
Sites de ingressos:




Pedidos, dicas, patrocínios e sugestões:
WhatsApp: 61-982465903

sábado, 3 de junho de 2023

Monstros - Cia Novos Candangos - SESC Taguatinga/DF

     

        Apresentada em 2019, Monstros volta aos palcos. Eles sempre estão por aí.
    
     Tempos estranhos, sinais, estações de rádio sintonizadas de forma aleatória, luzes intermitentes, muita fumaça. A senha para percebemos que algo muitos estranho irá ocorrer. Mesmo em tempos estranhos, podemos ser sempre surpreendidos. Tudo pode acontecer. Somos brasileiros e sabemos disso, aqui a matéria-prima para ficção parece ser uma fonte inesgotável. 


Lady Laura, um prédio comum, no qual somos apresentados aos moradores, cada um com sua personalidade, peculiaridades e idiossincrasias, donos de seu micro reino domiciliar, agora todos expostos em uma reunião de condomínio. “Velhos desconhecidos” que terão a oportunidade de conhecer o que há de pior em seus vizinhos, em um clima tenso tomado pela paranoia de uma suposta invasão alienígena.



Com efeitos especiais e um cenário dinâmico, a “fake-ção científica” é inspirada no seriado Além da Imaginação, com homenagens à transmissão de rádio da novela Guerra dos Mundos em 1938, que causou pânico nos Estados Unidos, ao mundo pop e aos filmes B de ficção científica.




A peça tem seu ponto alto na atuações do elenco composto por Pedro Ribeiro (o zelador), Natália Leite (a blogueira), Tati Ramos (a delegada), Xiquito Maciel (o artista), André Rodrigues (o cidadão de bem) e Diego De Léon (o síndico), que conseguem transitar entre da comédia e leveza ao suspense e caos, capturando a atenção do público do início ao fim da peça, trazendo também reflexões sobre a vida em comunidade e classe social.




Monstros é uma peça muito criativa, diferente e interessante, que combina humor, ficção científica, drama e crítica social. Sua volta é um presente e mostra a força do Teatro independente e local, merece ser conhecida, prestigiada e assistida. Parabéns à Cia Novos Candangos, pela volta de Monstros e por manter a chama do Teatro acesa com força e a ousadia.



Instagram da Cia Novos Candangos: clique aqui

Fotos: Humberto Araújo

Carmen, a Grande Pequena Notável – CCBB/DF – Em cartaz até 11/06/2023


    Grandes personalidades merecem grandes homenagens, para que sua memória siga viva na mente de novas gerações. Adaptação do livro homônimo de Heloisa Seixas e Julia Romeu, premiado em 2015 como melhor livro não ficção pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, a peça bastante bibliográfica traz aos palcos a atmosfera dos anos de 1909 a 1955, contando, de maneira leve, divertida, sem passar por questões polêmicas da Era Vargas e também sem nostalgia, a trajetória da Pequena Notável desde seu nascimento.



    A história de Maria do Carmo Miranda da Rocha, Portuguesa radicada no Brasil desde criança, uma mulher muito a frente do seu tempo, o que não a poupou do machismo e da misoginia de uma infeliz sociedade patriarcal. Assim como levar o nome do país para o mundo não a poupou de críticas, nem de decepção ao voltar aqui. Mas que pela sua força conseguiu chegar mais longe do que qualquer um imaginasse e ter seu legado lembrado nos dias atuais.



    Dirigida por Kleber Montanheiro, o espetáculo é apresentado em forma de Teatro de Revista, com cenas dinâmicas e aceleradas, que retratam a forma de cantar de Carmen e o gênero teatral de sucesso da época, trazendo também o convento de freiras, a fábrica de chapéus, a Lapa, as ondas do rádio, o sucesso no Brasil no Cassino da Urca e o sucesso internacional. 


    Amanda Acosta incorpora Carmen Miranda em cada detalhe, da voz marcante à personalidade forte e aos trejeitos, demonstrando que abraçou o projeto como atriz e cantora, brilhando no papel, uma estrela. Jonathas Joba como o narrador e condutor da história apresenta uma emoção a cada cena, se doando e divertindo o público, chamando muita atenção à sua presença de palco e a essência do ofício de ator. O elenco composto por grandes atores (Daniela Cury, Gustavo Rezende, Gabriella Britto, Júlia Sanchez e Roma Oliveira) consegue ser harmônico e mostrar um trabalho de alto nível, bem cuidado, que nos faz imaginar por um momento estarmos presenciando o passado. A excelente banda (composta pelos músicos Maurício Maas, Betinho Sodré, Monique Salustiano e Fernando Patau) dá o tom durante toda a peça, participando das cenas de forma bem-humorada e divertida, atuando junto, elevando o espetáculo.

    O cenário é montado como letras e livros que conduzem as cenas, o figurino de época, baseado inclusive em criações de Carmen Miranda, começa no preto e branco no longínquo 1909 e vai se multicolorindo. Os detalhes são inúmeros, desde o chão com as famosas pedras portuguesas às frutas utilizadas nas roupas. Interessante, também, a utilização de anacronismo em algumas cenas, jogando com os contrates entre o período que viveu Carmen e a atualidade, levando o público ao delírio.

    Uma peça para todos os públicos, que busca também formar novas gerações de espectadores e leitores, ávidos e curiosos para acessar as memórias do nosso país.


    Ingressos: clique aqui

    Instagram da peça: clique aqui

    Agradecimento: Elisa Mattos (produtora local)

    Fotos: Divulgação

terça-feira, 23 de maio de 2023

Se Eu Fosse Eu – Agrupação Teatral Amacaca – Teatro da Caixa Cultural Brasília/DF

    O complexo e fascinante universo feminino de Clarice Lispector, materializado no palco, e, uma livre adaptação de contos da escritora que quando era antiga foi depositária do ovo, que pode amar um homem de Saturno e que questionou o “inquestionável” que enquanto for inventado não existe. Em uma bela homenagem às mulheres, como a obra de Clarice, feita por mulheres, para principalmente, mulheres e para os que querem mergulhar na alma feminina, Se eu fosse eu é um grande quebra-cabeças com recortes de textos clariceanos que se encaixam perfeitamente.


    Muito bem montada, a peça passeia pelos contos, amarrando cada fragmento entre ovos, maçãs, tabus, hormônios, sangue, carne e máquina de escrever (companheira inseparável), como a força, a reflexão, o emponderamento e a emancipação da Mulher, em uma viagem dentro do coração selvagem. A peça é contínua e vai se doando ao espectador como uma mãe ao mesmo tempo que faz explodir a quarta parede para ter prazer com ele, a maternidade e a mulher, o seio e a flor, o cuidado e o desejo.


    As atuações de Camila Guerra, Rosanna Viegas e Juliana Drummond dignificam o legado do eterno Hugo Rodas, que segue vivo em nosso Teatro. O trio com essência de palco e do feminino traduzem Clarice em suas nuances e questões existenciais, tanto em diálogos fluídos como em exercícios corporais e performances. O cenário funcional e dividido em três como as atrizes e os contos principais, se fundindo da mesma forma, em uma simbiose, muito bem arquitetada pela direção.


    “Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova do desconhecimento. No entanto, tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.”


    Alegria pura e legítima! Como é bom voltar a um dos templos do Teatro da nossa Capital, o Teatro da Caixa Cultural Brasília, após um longo e sofrido inv(f)erno! 

     Sobre o processo de Se Eu fosse Eu:

    O projeto começou com laboratórios cênicos realizados na Casa abrigo da Ceilândia, em uma escola pública de São Sebastião e em outra da Estrutural. A ideia era divulgar a literatura de Clarice a partir de temas femininos que pudessem ser compartilhados. Sexualidade, aborto, maternidade e espiritualidade fazem parte desse universo. "O estímulo para entrar em contato com sua subjetividade que é um convite na obra de Clarice, um voo para dentro. Pedaços desses laboratórios entraram na dramaturgia. Então virou uma grande colagem de textos e a dramaturgia foi construída a partir desses contos", conta Camila Guerra.

    Ficha Técnica e Instagram da peça: @claricescriativas

    Fotos: Diego Bresani