terça-feira, 12 de novembro de 2019

Dogville – Lars Von Trier (Dinamarca) – CCBB – DF


Até onde vai sua bondade?
Adaptação do filme de Lars Von Trier, a montagem dirigida por Zé Henrique de Paula e idealizada por Felipe Heráclito Lima é um projeto ambicioso e grandioso que conta com 16 atores em cena.


Enquanto o filme, estrelado em 2003, utilizava a linguagem teatral, na adaptação a lógica se inverte, com o teatro utilizando da linguagem cinematográfica. Interessante tanto para quem assistiu ao filme, observar os desafios de diversas soluções cênicas, quanto para quem não assistiu apreciar a instigante história que invade a mente da plateia. Dentre as soluções cênicas, closes cinematográficos e vídeos pré-gravados que agregam força ao palco.  


A peça possui narração nos moldes do teatro de Brecht que traz o distanciamento da ficção e a conexão do público com a realidade, criando uma armadilha moral.

O espetáculo questiona a essência e investiga a alma humana, provocando reflexão em quem a assiste, ninguém sai do teatro como entrou. São expostos os conceitos da verdade, da mentira, do limite da bondade, da ingenuidade, da exploração de outro ser humano e a tolerância do ser humano à exploração.
  

A peça se passa na época da grande Depressão Americana em um vilarejo abaixo de Montanhas Rochosas chamado Dogville, que tem sua rotina revirada pela chegada de uma forasteira fugindo não se sabe muito bem de quem nem de onde. Com o tempo, um pouco arrastado em alguns momentos, a peça começa a tomar rumos insólitos e ter situações surpreendentes, em episódios que criticam a xenofobia, os problemas de consumo do capitalismo, a exploração nas relações trabalhistas e revela o que há de pior na bondade e caridade do ser humano, em uma raio X da sociedade perquirindo até onde vai a tolerância e a aceitação do que se impõe de forma coletiva e como “cidadãos de bem” podem se tornar a personificação da banalidade do mal.


É uma história forte, que coloca em cheque a própria moral do espectador, da humanidade e do ser humano, que é o papel da arte, que descortina para refletir.


Com uma protagonista mais quinze atores em cena, muitos deles renomados no teatro, observei uma questão na montagem em Brasília, que necessita, na minha opinião, por se tratara de um projeto grandioso, ser trabalhada pela direção: a dificuldade em estabelecer a mesma energia cênica e vocal da protagonista com os demais atores. Nada que tire o brilho da própria protagonista, nem do elenco, muito menos da peça.

Seria o Brasil, uma grande Dogville? Ou Dogville está em qualquer lugar? Confesso que fiquei perplexo com as risadas em tom de deboche vindas da plateia em momentos infelizes para alguns personagens, temos uma sociedade doente?


Não vale a pena comprometer somente um dos seus ideais, só um pouco, para aliviar a minha dor?”

Ficha Técnica: clique aqui

Fotos: Daniel Sabino

Agradecimentos: Carla Spegiorin (Âncora Comunicação) e Ana Clara Matos (Maré Cheia)

2 comentários:

  1. Texto excelente, marcado pela sensibilidade. Escrita poética. Atento às nuances.
    Uma novidade: a crítica às fragilidades.Exercicio necessário...

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