Até
onde vai sua bondade?
Adaptação
do filme de Lars Von Trier, a montagem dirigida por Zé Henrique de
Paula e idealizada por Felipe Heráclito Lima é um projeto ambicioso
e grandioso que conta com 16 atores em cena.
Enquanto
o filme, estrelado em 2003, utilizava a linguagem teatral, na adaptação a
lógica se inverte, com o teatro utilizando da linguagem
cinematográfica. Interessante tanto para quem assistiu ao filme,
observar os desafios de diversas soluções cênicas, quanto para
quem não assistiu apreciar a instigante história que invade a mente
da plateia. Dentre as soluções cênicas, closes cinematográficos e
vídeos pré-gravados que agregam força ao palco.
A
peça possui narração nos moldes do teatro de Brecht que traz o
distanciamento da ficção e a conexão do público com a realidade,
criando uma armadilha moral.
O
espetáculo questiona a essência e investiga a alma humana,
provocando reflexão em quem a assiste, ninguém sai do teatro como
entrou. São expostos os conceitos da verdade, da mentira, do limite
da bondade, da ingenuidade, da exploração de outro ser humano e a
tolerância do ser humano à exploração.
A
peça se passa na época da grande Depressão Americana em um
vilarejo abaixo de Montanhas Rochosas chamado Dogville, que tem sua
rotina revirada pela chegada de uma forasteira fugindo não se sabe
muito bem de quem nem de onde. Com o tempo, um pouco arrastado em
alguns momentos, a peça começa a tomar rumos insólitos e ter
situações surpreendentes, em episódios que criticam a xenofobia,
os problemas de consumo do capitalismo, a exploração nas relações
trabalhistas e revela o que há de pior na bondade e caridade do ser
humano, em uma raio X da sociedade perquirindo até onde vai a
tolerância e a aceitação do que se impõe de forma coletiva e como
“cidadãos de bem” podem se tornar a personificação da
banalidade do mal.
É
uma história forte, que coloca em cheque a própria
moral do espectador, da humanidade e do ser humano, que é o papel da
arte, que descortina para refletir.
Com uma protagonista mais quinze atores em cena, muitos deles renomados no teatro,
observei uma questão na montagem em Brasília, que necessita, na
minha opinião, por se tratara de um projeto grandioso, ser
trabalhada pela direção: a dificuldade em estabelecer a mesma
energia cênica e vocal da protagonista com os demais atores. Nada
que tire o brilho da própria protagonista, nem do elenco, muito
menos da peça.
Seria
o Brasil, uma grande Dogville? Ou Dogville está em qualquer lugar?
Confesso que fiquei perplexo com as risadas em tom de deboche vindas
da plateia em momentos infelizes para alguns personagens, temos uma
sociedade doente?
“Não
vale a pena comprometer somente um dos seus ideais, só um pouco,
para aliviar a minha dor?”
Ficha
Técnica: clique aqui
Fotos:
Daniel Sabino
Agradecimentos:
Carla Spegiorin (Âncora Comunicação) e Ana Clara Matos (Maré
Cheia)
Texto excelente, marcado pela sensibilidade. Escrita poética. Atento às nuances.
ResponderExcluirUma novidade: a crítica às fragilidades.Exercicio necessário...
Muito obrigado por ler e comentar
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