sábado, 9 de novembro de 2019

Nas Encruza – Leno Sacramento (BA) – Espaço Cultural Renato Russo – DF


Negro. Saco na cabeça. Corra. Corra. Corra. Tiro. Chão. Levante. Corra. Chão. Levante. Basta!!!

Sufocamento coletivo. Vozes que precisam ser ouvidas. Corpos que não devem ser mais abatidos. Que a cultura seja da arte, da paz. E não da morte, de armas!


Leno Sacramento, do Bando do Teatro Olodum, apresenta o espetáculo Nas Encruza, segundo da trilogia iniciada por En(cruz)ilhada. A peça aborda o genocídio do povo negro em suas mais covardes modalidades.


Baseado em um teatro gestual, a peça convida à conscientização para o que estamos vivendo, que é o resultado de toda uma perspectiva histórica combinada com o retrocesso experimentado nos últimos anos. É um verdadeiro e necessário soco no estômago.


Por que os tiros encontram com infinita facilidade corpos negros? Existe uma política de extermínio do povo negro no Brasil? Isto é mais que evidente e negar isso ou é desconhecimento ou hipocrisia. Não podemos deixar de falar jamais, nem aceitar a política de esquecimento que matou e continua a matar pessoas como Evaldo Rosa (https://epoca.globo.com/os-257-tiros-contra-carro-de-evaldo-dos-santos-rosa-23687091), Ághata Vitória (https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/09/23/entenda-como-foi-a-morte-da-menina-agatha-no-complexo-do-alemao-zona-norte-do-rio.ghtml) e muitas outras. Política essa que quase matou o ator da peça (https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/a-bala-nao-foi-de-raspao-e-quando-pediram-para-parar-paramos-diz-ator/), em mais um episódio de estupidez e maldade.


Além das mortes físicas, que excluem do plano terrestre, a peça também aborda as mortes psicológicas, que excluem do plano social: o racismo, a homofobia, a infância interrompida, a intolerância religiosa contra religiões de matriz Africana, entre outras.


Destaque para as performances de Leno Sacramento, que sem dizer quase nenhuma palavra consegue tocar a mente de cada um dos presentes, impressiona sua vontade de seguir lutando, de batalhar cada espaço, bem como seu talento em representar e fazer vermos nitidamente as cenas do cotidiano do genocídio negro, as cenas tem uma plasticidade bem construída, utilizando elementos do próprio cenário para compor as personagens, além da interação com o público em um espelho de dois lados, o ator refletido na plateia e a plateia refletida no ator, formando um lugar comum de fala.


O figurino também dá o recado e mostra que independente da sua roupa, da sua classe social, se você for negro, você vai ser procurado pelas tais balas e seu corpo tem alto risco de ser marcado e seus músculos expostos. Não deve ser assim, mas ainda é. E isso precisa ser sempre falado, mesmo quando em outros tempos não acontecer mais.


Para reflexão, importante comentar o fato de eu ser o único não negro presente na peça, o que gerou duas questões: o emponderamento negro, teatro negro com plateia predominantemente negra; e a falta de empatia com a causa do outro, a falta de participar das questões mesmo não estando no lugar de fala.


Parabéns Leno Sacramento, pela trajetória, pela luta e pelo seu talento, que sua obra, ato político no sentido mais nobre da palavra, ecoe como seu canto em Iorubá e conscientize em todos os cantos e encruzas, que percorra com sua arte transformadora todos os teatros e todas as periferias possíveis.

Registro para a forte performance sobre ancestralidade negra de Carolina de Souza, acompanhada pela bela percussão de Luís Ferrara, recepcionando a plateia para o espetáculo.

Ficha Técnica: clique aqui

Fotos: Kadan Lopes - @pho.daan - (61)995891409

Agradecimentos:
Luciene Brito
Victor Hugo Leite

8 comentários:

  1. Pela descrição fiquei com muita vontade de assistir. Eu como professora de Ensino Religioso e com pretensão de um Mestrado em Religiões Afro. Gostei muito. E essa luta q vem de séculos contra qualquer tipo de discriminação não pode se calar. Parabéns!

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  2. Interessante a abordagem, pricipalmente no que se refere à causa do outro. Discriminação racial é tema a ser discutido com toda sociedade.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Nao sei se era a mesma peça, mas estava tudo bem feito e não houve selfie

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  5. Seus textos carregam a marca da sensibilidade.Nesse, claramente, a empatia. O povo preto não precisa dos brancos para expressar toda sua potência,porém apoiar a luta do outro é mais do que necessário.
    Texto perfeito.

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