sexta-feira, 8 de abril de 2022

Vladimir – Iury Persan, Cutucart (DF) – CREAS da Cidade Estrutural/DF

 

       Uma joia nas mãos!

    Foi tudo que pensei quando acabei de assistir o espetáculo Vladimir, em uma quente noite de domingo, em plena Cidade Estrutural, famosa por ter crescido em torno e abrigado o maior Lixão da América Latina. A cidade fervia, ávida por cultura, que borbulhava de asfalto e gente, uma cidade viva, embora esquecida. O esquecimento e a desigualdade escancarada estavam também presentes no palco, naquele cenário, um barraco, que representava o lar de um homem solitário, com seus improvisos e reciclados, em uma vida improvisada e reciclada com poucos recursos e muitas esperanças na mudança.


    Com IURY PERSAN (atuação e dramaturgia) e ANALU RANGEL, com a direção geral de GETULIO CRUZ e direção de atores de ANA VAZ, o espetáculo é baseado na palhaçaria e no teatro gestual, com narração e sonoplastia. A personagem Vladimir é muito bem construída, em cada detalhe e trejeito, em cada movimento, em cada cena, conquistando o público rapidamente, sem falar quase nenhuma palavra. Um palhaço, caricatural, que representa muito do nosso povo, em uma realidade cada vez mais empobrecida nos últimos anos, aqueles que apesar de tudo, ainda seguem mantendo a chama da esperança, mesmo que para a grande maioria tudo não passe de mera expectativa e ilusão.


    Vladimir tem múltiplas camadas dramáticas, mesmo sem disponibilizar a informação na peça, a personagem tem o peso de um passado em seus ombros e, paradoxalmente, a leveza da simplicidade e da solidariedade. Não é fácil rir de si mesmo ou de um espelho, ainda mais em sociedade tão cruel, que às vezes só permite remendos, fazer tudo durar, esticar. A arte de sobreviver. Em meio a reviravoltas, a peça entrega ainda a doce e emocionante palhaçaria de ANALU RANGEL, na personagem da ladra que muda a vida de Vladimir, nosso herói transgressor, nosso anti herói, nós.   


    A Arte precisa chegar à periferia, por meio de equipamentos culturais, o Povo precisa se enxergar, se ver no palco, para refletir, criar um pensamento crítico. A Sala transformada em Teatro estava lotada, com pessoas da comunidade, famílias locais, artistas. É necessário gerar esta mudança, formar público, popularizar a Arte. Aos que não são da Periferia, quando tiver espetáculos lá, prestigie, compareça, avise aos amigos, seja também um agente da transformação.


    Estrear na Cidade Estrutural traz muita força para Vladimir, que certamente vai ganhar outros palcos em Brasília e, também pelo Brasil. Vladimir tem um caminho próprio e belo a percorrer.



OLÉ


Nunca deixem dizer que na periferia não tem Arte, que não se faz Arte!!!

IURY PERSAN

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    Sobre a Cutucart:

    A Cutucart se estabelece como produtora cultural, proporcionando iniciativas de entretenimento ao vivo como festivais e mostras culturais, além de estimular oficinas formativas de cunho social em regiões administrativas de Brasília. Por meio dessas atividades, visa promover eventos que fomentem o movimento artístico brasiliense, impulsionando novas criações e estimulando o fortalecimento criativo da cidade e da sua identidade cultural. Entre os eventos produzidos pela produtora, destaque para Subúrbia, Corpoesia e Teatro Estrutural.

    Saiba mais

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    Fotos: HUMBERTO ARAÚJO (clique aqui)

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domingo, 3 de abril de 2022

A Sós – Grupo Pele – Teatro dos Ventos – Águas Claras/DF

    Um casal. Um apartamento. Uma cidade ao fundo. A paixão que invade e toma conta de tudo, a admiração mútua, o tesão, os planos, rosas, cumplicidade. Um só. Uma vida e o infinito pela frente. 

    A terceira temporada de A Sós foi de bastante sucesso, com ingressos esgotados e um público apaixonado. O espetáculo intimista e com clima sensual, traz a reflexão sobre os caminhos da paixão, das aventuras e desventuras, das recompensas e riscos, das delicias e dessabores de se entregar e se tornar um só. A solitude e a solidão a dois. O paradoxo entre estar juntos e o limite de estar juntos demais. 




    Um casal. Um apartamento. Uma cidade ao fundo. A paixão ainda está presente, ainda há admiração, um certo tesão, as rosas mudaram um pouco, algum individualismo. Ainda um só. Uma vida e a areia da ampulheta pela frente.

    As coreografias, as músicas e as filmagens ao fundo contam a história do casal, que poderia ser qualquer um que está aqui lendo, da plateia ou seus vizinhos, a paixão é universal, quem não a viveu não viveu. Não se deve ter medo da morte, muito menos a morte do amor ou paixão. Viver requer entrega e coragem e a morte é sempre apenas o início de um novo ciclo. As paixões são eternas enquanto existem.



    Dois. Um apartamento. Uma cidade sépia ao fundo. A paixão virou tédio, a admiração virou lembrança, o tesão virou carinho, as rosas não estão mais rosas, invisibilidade. Dois. Duas vidas e um pequeno fim do mundo pela frente.

    Os elementos de dança e circo são bem tratados, com muito profissionalismo, com movimentos complexos e muito executados com leveza e força ao mesmo tempo. Catherine Zilá e Carlos Guerreiro, fundadores e integrantes do Grupo Pele, vem construindo uma assinatura em seus espetáculos, trabalhos bem realizados, com nítido cuidado. O cenário convida o público a adentrar na intimidade do casal, somada a uma iluminação inspirada que emoldura e completa o quadro. O grupo usa fotografias e imagens como fonte de inspiração, o vídeo que antecede o espetáculo é um convite para mergulhar de cabeça. Veja os vídeos no instagram da Cia (clique aqui).


    A Sós. 


    Fundado em 2019, o Grupo Pele é formado pelos bailarinos, acrobatas e professores Catherine Zilá e Carlos Guerreiro com enfoque principal na Dança Contemporânea e Acrobacias de Solo e Aéreas.

    O Grupo apresentou A Sós no Sesi Goiânia em 2021, que transmitiu o espetáculo em seu canal (curta aqui).

    O Teatro dos Ventos é um espaço cultural localizado no coração de Águas Claras/DF, é um centro de formação artística com cursos livres, formação de atores, com um teatro com 60 lugares e um grupo teatral (Site do Teatro dosVentos).

    Ficha técnica: clique aqui 

    Fotos: Divulgação


sábado, 26 de março de 2022

Pedra (P)arida – Camila Guerra (Brasília/DF) – Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul)

    

    Um palco de guerra, devastado, sob escombros e lençóis, cama de pedra. Palco de Camila Guerra para desnudar os véus que o patriarcado impõe, tanto nas longínquas montanhas afegãs quando aqui neste país, que sofre uma epidemia de feminicídio. Ser mulher é um ato de resistência, é caminhar entre escombros de uma sociedade machista e, apesar de tudo, dar a luz à mudança.

    O espetáculo é inspirado no livro/filme Pedra da Paciência, Syngué Sabour, do escritor franco afegão Atiq Rahimi (saiba mais), mas esta é apenas uma camada, um ponto de partida, o espetáculo vai muito além, em múltiplas dimensões, reflexões e provocações, um exercício de ancestralidade.





    De uma beleza ímpar, em um cenário grandioso e inóspito, o primeiro ato da peça lembra uma gestação, no seu ritmo e não do público, que precisa ter paciência para entender o que está por vir e curtir cada detalhe, é a mulher prestes a parir um novo mundo, ainda em terreno árido, com muita poeira, sobrevivendo, mantendo, a dignidade, lutando e construindo um caminho, que vai desaguando, em busca da libertação, da catarse e da emancipação feminina.




    Pouco antes de parir, um furacão entra em cena, faca na boca, sangue nos olhos, performática, indomável, visceral, provocadora, a que jamais vai ser caça, mesmo que ame e se permita. As coisas mudam, tomem seus lugares, degolem suas culpas, a luta contra opressão toma força, mas a luta não tem volta, segue seu caminho, vai nascer, nada será em vão.


    Um dia chega-se ao oásis, ao verde, às águas, a poeira se esvai, plantas, cadeiras, lembranças da vovó, que também lutou sua luta, conquistou, plantou a sua semente, para que as outras gerações de mulheres pudessem viver com mais dignidade e entender que a luta contra o patriarcado é árdua e contínua, e mesmo que seja utópica, é o que faz caminhar, mesmo que um dia tudo tenha um fim, como a peça, que deságua em aplausos que insistem em não terminar.



    A direção de Édi Oliveira é bem orgânica, sem espaço para falhas ou equívocos, fruto de um longo processo, dando fluidez a peça que necessita desaguar. A iluminação funciona muito bem e a a trilha sonora acompanha a peça, ambientando cada detalhe. Cabendo ressaltar que a equipe da peça composta por 23 pessoas, entre elas, Ana Flávia Garcia e Juliana Drummond.


    O que fica é um espetáculo grandioso, que precisa ser montado presencialmente em outras oportunidades, um verdadeiro rito de passagem de uma grande atriz, que mostra ao público toda sua versatilidade, maturidade, força, entrega e coragem. Algo além.

    O lugar de fala é das delas, mas todos precisamos estar juntos, ajudando a parir a mudança, a gerar um novo mundo desse que está aí, com milênios de opressão e violência de gênero.


    

 Registro a presença luxuosa na estreia do mestre Hugo Rodas.

    O espetáculo ficará disponível via YouTube, no canal Pedra(p)Arida , de 21/04 a 06/05/2022 (assista)

  O blog registrou outras peças da Camila Guerra, uma delas está sendo apresentada em Madrid, enquanto escrevia, o que é de uma imensa alegria, Depois do Silêncio (clique aqui).


    Ficha técnica: clique aqui

    Fotos: Diego Bresani (instagram)

sexta-feira, 18 de março de 2022

2º GUIRII – Festival Amazônico de Contação de História – 18 a 22/03/2022

      

        Abro espaço para divulgar a segunda edição do GUIRII, Festival Amazônico que acontecerá online com a exibição de contações de histórias para o público infantil.

        O festival é promovido pela Fada Inad Produtora Cultural e tem como principal objetivo a exibição de contação de histórias para o público infantil. O evento que inicia no dia 18 deste mês (sexta-feira) segue até o dia 22 (terça-feira) com apresentações de 25 vídeos de contação de histórias. O Festival será transmitido ao vivo, através do Youtube, no canal da Fada Inad (youtube.com/fadainad) a partir das 20 horas, horário de Brasília.  O segundo GUIRII contará com intérprete de libras.

        A segunda edição do GUIRII abordará temas cuja a intenção é promover a inclusão, a preservação de recursos naturais, consumo sustentável, o respeito à diversidade identitária, o acesso ao pluralismo cultural e o contato com a ludicidade.

CONFIRA A PROGRAMAÇÃO DO EVENTO ACESSANDO O LINK: https://contacaodehistoria.com.br/guiriifestival-programacao/

    O evento contará com mesa-redonda, cujo tema abordado será sobre “O que é Contação de História?”, com Lucia Morais Tucuju, Daniel Munduruku e Ester Sá. Profissionais renomados, com vasto conhecimento na literatura infantil e responsáveis por grandes projetos culturais desenvolvidos pelo país afora. O evento contará com entrevistas, além de palestras e oficinas. A mesa-redonda acontecerá no dia 19 a partir das 17 horas (horário de Brasília). “Participar do Festival é um prazer, alegria e honra. Desde o primeiro ano tive o desejo de participar, mas perdi. E estar nesse ano me faz feliz em estar junto com tantos artistas maravilhosos. Muito bom ser valorizado” declarou Lucia Morais Tucuju, especialista em literatura infantil e juvenil e pesquisadora da Cultura/Literatura Indígena.

Conheça mais sobre o trabalho de Lucia Morais Tucuju:

https://criticaemcenarodrigoferret.blogspot.com/2022/02/tucuma-lucia-morais-tucuju.html

 https://www.livrariamaraca.com.br/produto/tucuma-lucia-morais-tucuju/ 


https://criticaemcenarodrigoferret.blogspot.com/2019/12/arandu-lendas-amazonicas-ccbb-df.html


    Participação no festival:

    No total, 340 artistas se inscreveram. A segunda edição do GUIRII teve a participação de artistas dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, sendo 19 artistas inscritos no Estado de Rondônia, um artista no Estado do Acre, 10 artistas no Amazonas, 14 artistas no Pará, dois artistas em Tocantins, dois artistas no Amapá, três artistas no Maranhão, três artistas no Piauí, 23 artistas no Ceará, sete artistas no Rio Grande do Norte, 10 artistas na Paraíba, nove artistas no Pernambuco, dois artistas em Alagoas, um artista de Sergipe, 13 artistas na Bahia, 18 artistas em Minas gerais, um artista no Estado do Espírito Santo, 41 artistas no Rio de Janeiro, 78 artistas em São Paulo, 21 artistas no Paraná, 10 artistas em Santa Catarina, 21 artistas no Grande do Sul, quatro artistas no Mato Grosso do Sul, cinco artistas em Goiás, 11 artistas no Distrito Federal e 11 artistas em mato Grosso.


Participe, faça parte, prestigie nossa cultura, prestigie os povos originários!!!


Histórias para se alimentar 

Como não lembrar,

da indígena contando histórias com seu maracá

Aquele chocalhar que nos mexe por dentro e nos faz entrar nas lendas,

nos livros, no que está a contar

Arandu, Tucumã,

sabedoria e alimento popular

Materializados em peça, livro

Ancestralidade e infinito particular

(Rodrigo Ferret)


sábado, 12 de março de 2022

O Beijo no Asfalto – Coletivo Coletivo (Brasília/DF) – CCBB Brasília – Em cartaz até 27/03/2022 (Presencial)


    Teatro com lotação esgotada, um morto na ribalta, a voz de Nelson Rodrigues ecoando. Década de 60, 2022, e o que está por vir mostra que a essência humana, para o bem e para o mal, relatada na sua dramaturgia, permanece.


    Beijo no Asfalto conta a vida de uma pessoa comum, Arandir, um trabalhador, casado com Selminha há cerca de um ano, que entra em uma inevitável e fulminante espiral, após ter uma atitude nobre, de compaixão e misericórdia: atender o último desejo de um desconhecido moribundo, vítima de um atropelamento. 

    O espetáculo trata das consequências da realidade pós verdade, de como as versões de uma história podem ser nefastas, a hipocrisia da sociedade, as fakenews, que tanto destroem para sempre, ou por muito tempo, reputações, como podem elevar seres medíocres e oportunistas a lugares e posições que jamais mereciam estar.

 “Por que existem tantos olhos no mundo?” Nelson Rodrigues

    A montagem faz algumas atualizações e adaptações que funcionam muito bem, como a utilização de uma delegada para a personagem Cunha, a forma de atuação e figurino do repórter Amado Ribeiro, a troca da irmã mais nova de Selminha por um irmão gêmeo. Com certa intensidade, a peça se desenrola em uma crescente interessante até o final emocionante e surpreendente, com algumas atuações que se destacam, como as interpretações de Selminha, esposa de Arandir, seu irmão e seu pai Aprígio.

   “A dúvida é autora das insônias mais cruéis.” Nelson Rodrigues

    As soluções cênicas são bem construídas. Em que pese a utilização de cadeiras perfiladas para formar o cenário, que geram o risco de perda da dinâmica das cenas, algo que foi bem contornado pelas atuações e pela direção, compensado pelo efeito da tela dividindo o palco, criando um cenário às vezes paralelo e às vezes complementar ao principal, o que teve impacto muito positivo no desenrolar da apresentação. O fundo do cenário também acrescentou bastante, estampando o sensacionalismo que destrói e faz sangrar. O enterro ao fundo e o morto passando na frente do palco também ajudam a trazer o clima do autor.

    Por fim, o que fica da apresentação é uma montagem cuidadosa e bem dirigida por Fernando Guimarães, possibilitando ao público sentir e viver o universo do autor, embora tenha alguns pontos a melhorar, como a segurança de alguns atores nas cenas iniciais, algo que foi se diluindo ao longo da peça e deve se resolver no desenrolar da temporada. 

    Ficha técnica: clique aqui

    Fotos: Divulgação.


    Registro com pesar, neste texto, o falecimento de Isa Schmidt Bravo, 36 anos, promissora atriz do nosso teatro, muito talento, força e luz, dona de um sorriso cativante. Triste demais a sua partida tão precoce.